domingo, 9 de abril de 2017

Domingo de Ramos


Para os não especialistas vamos falar do Domingo de Ramos


Entrada triunfal em Jerusalém. Afresco de Giotto na Capela Scrovegni, em Pádua, na Itália.
Domingo de Ramos é uma festa móvel cristã celebrada no domingo antes da Páscoa[i]. A festa comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, um evento da vida de Jesus mencionado nos quatro evangelhos canônicos (Marcos 11:1, Mateus 21:1-11, Lucas 19:28-44 e João 12:12-19). Na liturgia romana, este dia é denominado de "Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor".
Em muitas denominações cristãs, o Domingo de Ramos é conhecido pela distribuição de folhas de palmeiras aos fiéis reunidos na igreja. Em lugares onde é difícil consegui-las por causa do clima, são utilizados ramos de diversas árvores. Em Portugal é costume comemorar o dia de Ramos com ramos de oliveira.
Nos relatos evangélicos, a entrada triunfal de Jesus ocorre por volta de uma semana antes de sua ressurreição.

De acordo com os evangelhos, antes de entrar em Jerusalém, Jesus ficou hospedado em Betânia, junto a Jerusalém, em casa dos seus amigos Maria e Lázaro. O Evangelho de João afirma que ele ficou ali nos seis dias antes da Pessach (a Páscoa judaica). De lá, enviou dois discípulos a uma aldeia que "está em frente de vós" (Betfagé?) para que buscassem um jumento que estaria ali amarrado e que nunca fora montado. Se questionados, deveriam responder que o Senhor precisava do animal, mas que ele seria devolvido.
Jesus então montou no jumento e se dirigiu a Jerusalém, com os três evangelhos sinóticos em acordo de que os discípulos forraram o animal com as suas capas para tornar a montaria mais confortável. Em Marcos e João, a entrada ocorre num domingo, com Mateus e Lucas não especificando a data. Em Lucas 19:41, conforme Jesus se aproxima de Jerusalém, ele olha para a cidade e chora por ela (no evento conhecido como em latim: Flevit super illam), já prevendo o sofrimento a que passará a cidade.

O simbolismo do jumento pode ser uma referência à tradição oriental de que este é um animal da paz, ao contrário do cavalo, que seria um animal de guerra. Segundo esta tradição, um rei chegava montado num cavalo quando queria a guerra e num jumento quando procurava a paz. Portanto, a entrada de Jesus em Jerusalém simbolizaria a sua entrada como um "príncipe da paz" e não um rei guerreiro.
Em muitos lugares no Médio Oriente, era costume cobrir de alguma forma o caminho à frente de alguém que merecesse grandes honras. A Bíblia hebraica (II Reis 9:13) relatam que Jeú, filho de Josafá, recebeu este tratamento. Tanto nos evangelhos sinóticos quanto o Evangelho de João reportam que a multidão conferiu a Jesus esta honraria. Porém, nos sinóticos, o povo aparece lançando as suas vestes e juncos cortados na rua, enquanto que em João, mais especificamente, menciona ramos de palmeira. Estes eram símbolos de triunfo e vitória na tradição judaica e aparecem em outros lugares da Bíblia (Levítico 23:40 e Apocalipse 7:9, por ex.). Por causa disto, a cena do povo recebendo Jesus com as palmas e cobrindo seu caminho com elas e com suas vestes se torna simbólica e importante.


[i] A Páscoa é uma festa móvel, o que significa que sua data não é fixa em relação ao calendário civil. O Primeiro Concílio de Niceia (325) estabeleceu a data da Páscoa como sendo o primeiro domingo depois da lua cheia após o início do equinócio vernal (a chamada lua cheia pascal). Do ponto de vista eclesiástico, o equinócio vernal acontece em 21 de março (embora ocorra no dia 20 de março na maioria dos anos do ponto de vista astronômico) e a "lua cheia" não ocorre necessariamente na data correta astronômica. Por isso, a data da Páscoa varia entre 22 de março e 25 de abril (inclusive). Os cristãos orientais baseiam seus cálculos no calendário juliano, cuja data de 21 de março corresponde, no século XXI, ao dia 3 de abril no calendário gregoriano utilizado no ocidente. Por conseguinte, a Páscoa no oriente varia entre 4 de abril e 8 de maio inclusive.


sábado, 8 de abril de 2017

A 8 de Abril de 1367, morre, na Cidade de Estremoz, Alto Alentejo, D. Pedro I


Com o Cognome de "o Justiceiro", foi o oitavo rei de Portugal. Quarto filho de D. Afonso IV e de D. Beatriz de Castela, nasceu em Coimbra, a 8 de Abril de 1320, e morreu em Estremoz a 18 de Janeiro de 1367.
Casou primeiro com Branca de Castela, a quem repudiou por debilidade física e mental.
Mais tarde, em 1336, casa por procuração com D. Constança Manuel, filha do fidalgo castelhano D. João Manuel e de D. Constança de Aragão. Contudo, a bênção nupcial apenas lhes foi dada em 1340, na Sé de Lisboa, depois de D. Afonso XI de Castela ter deixado D. Constança sair do reino. Com ela veio também para Portugal D. Inês de Castro, cuja ligação amorosa com o infante viria a provocar forte conflito entre ele e D. Afonso IV, seu pai e a morte prematura de D. Constança Manuel.
Temendo D. Afonso IV a nefasta influência dos Castros em seu filho, resolveu condenar à morte Inês de Castro, Inês acabou assassinada por ordens do rei a 7 de Janeiro de 1355, o que provocou a rebelião de D. Pedro contra si.

Após o assassínio de D. Inês de Castro, D. Pedro revoltou-se contra o seu pai, assolou diversas terras a norte do Douro e chegou mesmo a tentar tomar o Porto. O acordo de paz entre D. Pedro e seu pai foi assinado em Canaveses em Agosto de 1355, tendo desde logo D. Afonso IV delegado em D. Pedro grande parte do poder.
Ficou o infante desde esta altura incumbido de, com certas reservas, exercer justiça em todo o reino. Esta transferência de poderes explica o facto de, ainda infante, ter D. Pedro promulgado o beneplácito régio. Este importante decreto proibia a divulgação no reino de quaisquer documentos pontifícios sem prévia autorização do rei. Esta medida provocou a reação do clero, que, nas cortes de Elvas de 1361, solicitou a revogação do decreto. No entanto, D. Pedro estabeleceu oficialmente o beneplácito régio, não para agravar as relações com a Igreja mas para marcar a força do Estado.

D. Pedro I sobe ao trono em 28 de Maio de 1357, com 37 anos de idade. Distinguiu-se pela aplicação da justiça, segundo Fernão Lopes "aos modos antigos", tendo sido extremamente rigoroso na sua aplicação. Segundo o historiador Joel Serrão, "a sua justiça não conhecia discriminações: julgava de igual modo fidalgos ou vilãos, amigos ou inimigos." Outros estudiosos, no entanto, como é o caso de Joaquim Veríssimo Serrão, não partilham da mesma opinião, escrevendo este último: "É-se levado a crer que o rigor de D. Pedro incidiu em casos concretos, no desagravo de servidores ou cidadãos prestáveis, e não teve em conta a equidade que a justiça requer". É de destacar, ainda, um outro facto no seu reinado, a saber, a execução dos assassinos de D. Inês de Castro, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves, apesar de lhes ter sido prometido perdão antes da morte de D. Afonso IV. Uma vez capturados matou-os com as suas próprias mãos com uma brutalidade tal (a um arrancou o coração pelo peito e a outro pelas costas) que desse facto nasceram os vários cognomes pelos quais também é conhecido: O Justiceiro O Cruel, O Cru e O Vingativo
Quando finalmente chega ao trono, D. Pedro I anuncia o seu casamento, supostamente realizado em segredo, com D. Inês. Assim, faz saber que é sua intenção que a sua amada seja lembrada como rainha de Portugal, chegando mesmo a organizar uma cerimónia em que os nobres da corte foram obrigados a beijar a mão do cadáver de D. Inês sob ameaça de pena de morte.

D. Pedro reinou durante dez anos, conseguindo ser extremamente popular, ao ponto de dizerem as gentes «que taaes dez annos nunca ouve em Purtugal como estes que reinara elRei Dom Pedro». Os seus restos mortais encontram-se na capela-mor da igreja do mosteiro de Alcobaça ao lado dos de D. Inês de Castro. Os túmulos, por si mandados construir, verdadeiras obras de arte do estilo gótico, representam duas das mais belas peças da escultura portuguesa do século XIV. Colocados nas alas laterais do Mosteiro da Alcobaça, D. Pedro dá instruções para aí ser enterrado ao lado de D. Inês para que, no dia do Juízo Final, se pudessem reencontrar no momento seguinte à ressurreição.


sábado, 1 de abril de 2017

Expulsão dos Judeus da Península Ibérica


31 de Março de1492: Édito dos Reis Católicos decreta a expulsão dos judeus de Espanha

Em 1492 um decreto dos reis católicos, Fernando de Aragão e Isabel I de Castela, rompeu com uma longa tradição de tolerância religiosa em Castela, Leão e Portugal. O édito foi publicado a 31 de Março: os judeus de Castela e de Aragão eram obrigados a converterem-se ao cristianismo, sob pena de serem expulsos de Espanha num prazo máximo de quatro meses.

No Decreto, os Reis católicos ordenavam: “Que todos os judeus e judias de qualquer idade que residem em nossos domínios e territórios, que saiam com os seus filhos e filhas, seus servos e parentes, grandes ou pequenos, de qualquer idade, até o fim de Julho deste ano, e que não ousem retornar a nossas terras, nem mesmo dar um passo nelas ou cruza-las de qualquer outra maneira. Qualquer judeu que não cumprir este édito e for achado em nosso reino ou domínios, ou que retornar ao reino de qualquer modo, será punido com a morte e com a confiscação de todos os seus pertences”.
Os judeus não convertidos tinham de sair de Espanha até 31 de Julho de 1492. Posteriormente o prazo foi alargado até 2 de Agosto desse ano. O decreto foi escrito por Juan de Coloma e assinado em Alhambra, Granada, reconquistada aos mouros em 2 de Janeiro daquele ano.

Em 1492, os reis católicos tomaram Granada, expulsando definitivamente os muçulmanos da península Ibérica. Senhores absolutos da Espanha e contando com o apoio do papa Sisto IV, que reconheceu oficialmente a Inquisição espanhola numa bula de 1478, os soberanos de Castela e Aragão assinaram o Decreto de Alhambra em 31 de Março de 1492, que expulsou os judeus do reino espanhol. De acordo com esse texto, todos os súbditos hebreus deveriam converter-se ao catolicismo ou partir. Apesar da enérgica acção de Isaac Abravanel, funcionário da corte de Isabel de Castela que tentou obter a anulação do decreto, as perseguições intensificaram-se.
Desde a Idade Média que a população judaica era olhada com alguma desconfiança, tanto em Espanha como em Portugal. E isso tinha uma causa: os judeus trabalhavam para o rei na cobrança das rendas e na organização da contabilidade pública. Os ocasionais ataques a judiarias tinham quase sempre esta motivação. Mas mantinha-se a tolerância quanto à religião.

No final do prazo dado pelos reis católicos, em Julho de 1492, milhares de judeus atravessaram a fronteira, tendo Dom João II permitido a entrada dos refugiados e nomeado locais onde poderiam ser integrados: Olivença, Arronches, Figueira de Castelo Rodrigo, Bragança e Melgaço. Na raia, os judeus espanhóis pagavam uma espécie de portagem e, em troca, recebiam um salvo-conduto. Àqueles que exerciam uma profissão, os funcionários régios faziam um desconto, uma vez que eram tidos como mão-de-obra útil à economia nacional: ferreiros, carpinteiros, oleiros, tecelões.
Ao longo do tempo a atitude de D. João II para com os judeus expulsos de Espanha foi ganhando contornos terríveis. Em 1493 ordenou que os filhos menores fossem retirados aos pais e enviados para São Tomé, que precisava de ser povoado. A ilha tinha então grande número de crocodilos, além de um clima hostil, pelo que a maioria das crianças foi comida pelos animais. As restantes sucumbiram à fome.

A documentação coeva não permite definir, com rigor, o total de judeus desterrados. O arqueólogo e etnógrafo Adriano Vasco Rodrigues escreveu que seriam perto de 100 mil; a historiadora Maria José Ferro Tavares, autora de uma vasta bibliografia sobre os judeus em Portugal, preferiu não indicar qualquer número; o historiador Lúcio de Azevedo estimou 120 mil; Damião de Góis escreveu sobre 20 mil famílias; e o Abade de Baçal quantificou 40 mil pessoas.
A maioria destes cidadãos dirigiu-se para as grandes cidades: Lisboa, Porto e Évora. Contudo, uma parcela considerável da população fixou-se na raia, na zona de Ribacôa. Por isso mesmo, existiram comunidades hebraicas em Pinhel, Vila Nova de Foz Côa, Meda, Marialva, Numão, Trancoso, Guarda e Sabugal. A decisão de viver em povoações fronteiriças justificava-se pela esperança, acalentada por muitos refugiados, de que o decreto de expulsão fosse revogado, possibilitando assim o regresso a Espanha.

A autorização de entrada atribuída por D. João II tinha, no entanto, um prazo de validade: o salvo-conduto extinguia-se ao fim de oito meses. Os judeus poderiam viajar para outras paragens, mas o rei só lhes permitiu embarcar em navios com destino a Tânger e a Arzila. Alguns fizeram-no, mas acabaram por regressar a Portugal depois de terem sido maltratados e roubados pelos mouros.
“Os Judeus de Lisboa são riquíssimos, cobram os tributos reais, que arremataram ao Rei. São insolentes com os cristãos. Têm muito medo da proscrição, pois o Rei de Espanha ordenou ao Rei de Portugal que expulsasse os marranos e da mesma forma os Judeus, aliás teria guerra com ele. O Rei de Portugal, fazendo a vontade ao de Espanha, ordenou que antes do Natal saíssem do reino todos os marranos.

Jerónimo Münzer in “Viagem por Espanha e Portugal. 1494-1495”

D. João II morreu em 1495, deixando o trono sem sucessor, pois o seu filho, Afonso, morrera alguns anos antes. A coroa foi então herdada por D. Manuel, cunhado e primo direito do monarca. Nos primeiros anos do reinado, a comunidade judaica viveu em paz, tendo o rei escolhido o judeu Abraão Zacuto para seu médico particular (Zacuto era também matemático e astrónomo, tendo sido consultado antes de o rei enviar a expedição de Vasco da Gama para a Índia). D. Manuel I desejava uma união da Península Ibérica, debaixo da sua coroa, naturalmente, pelo que propôs casamento a D. Isabel, viúva de Afonso e filha mais velha dos reis católicos. A proposta foi aceite por D. Isabel e por D. Fernando, mas sob uma condição: o rei português deveria expulsar os judeus do país.

Em Novembro de 1496, D. Manuel I casou com D. Isabel e logo no mês seguinte decretou a ordem de expulsão dos judeus (e dos mouros), obrigados a sair do país até finais de Outubro do ano seguinte. Caso não o fizessem, seriam condenados à morte e todos os seus bens seriam confiscados pela coroa. Contudo, a decisão não recolheu consenso no Conselho de Estado, que alertou para a fuga de capitais do país. Pretendendo reter os judeus em Portugal, o rei ordenou então que aqueles que se convertessem ao cristianismo poderiam permanecer no país. E agendou um prazo para os baptismo: a Páscoa de 1497.


Denominado “Que os Judeus e Mouros forros se saiam destes Reinos e não morem, nem estejam neles”, o édito de 5 de Dezembro decretava o seguinte:

“… sendo Nós muito certo, que os Judeus e Mouros obstinados no ódio da Nossa Santa Fé Católica de Cristo Nosso Senhor, que por sua morte nos remiu, têm cometido, e continuadamente contra ele cometem grandes males, e blasfémias em estes Nossos Reinos, as quais não tão somente a eles, que são filhos de maldição, enquanto na dureza de seus corações estiverem, são causa de mais condenação, mais ainda a muitos Cristãos fazem apartar da verdadeira carreira, que é a Santa Fé Católica; por estas, e outras mui grandes e necessárias razões, que Nos a isto movem, que a todo o Cristão são notórias e manifestas, havida madura deliberação com os do Nosso Conselho, e Letrados, Determinamos, e Mandamos, que da publicação desta Nossa Lei, e Determinação até por todo o mês de Outubro do ano do Nascimento de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e sete, todos os Judeus, e Mouros forros, que em Nossos Reinos houver, saiam fora deles, sob pena de morte natural, e perder as fazendas, para quem os acusar.”
A conversão forçada começou com uma medida trágica. Na Páscoa de 1497, Dom Manuel I mandou que os judeus menores de 14 anos fossem entregues a famílias cristãs de várias vilas e cidades do país. Pouco depois, a ordem estendeu-se aos jovens com 20 anos. E os resultados foram horríveis. Muitos pais mataram os seus filhos, degolando-os ou lançando-os em poços e rios, contou Damião de Góis. A perseguição não ficou por aqui. O monarca restringiu ainda o número de portos de embarque para aqueles que queriam sair do reino, obrigando-os a concentrarem-se na capital. Segundo Jorge Martins, cerca de 20 mil pessoas, oriundas de várias zonas, foram encaminhadas para o Palácio dos Estaus (futura sede da Inquisição, localizada onde é hoje o Teatro Nacional D. Maria II), ali permanecendo, sem comer e sem beber, até ao momento do embarque.

A ideia de aprisioná-los nos Estaus tinha um motivo.

Enquanto aguardavam pela partida para o estrangeiro, foram visitados por dois judeus conversos, Nicolau, médico, e Pedro de Castro, eclesiástico em Vila Real.

Os dois homens tinham uma missão: persuadir os judeus a converterem-se ao cristianismo. Muitos acabaram por ser levados para as igrejas da Baixa e baptizados contra a sua vontade; outros conseguiram fugir e suicidaram-se, atirando-se a cisternas e a poços.
Aqueles que, não tendo sido baptizados, ficaram no país, já como escravos do rei, apresentaram uma proposta a D. Manuel I. Aceitavam a conversão, mas pediam algo em troca: a restituição dos seus filhos; e a garantia de que o rei não ordenaria qualquer inquérito sobre as suas práticas religiosas num período de 20 anos. D. Manuel I anuiu. E a 30 de Maio de 1497 foi publicada a proibição de inquirições sobre as crenças dos recém-convertidos ao cristianismo. Ou seja, consentiu oficiosamente o judaísmo (daqui nasce o criptojudaísmo, a prática clandestina da religião). O decreto tinha ainda outras cláusulas: ao fim de 20 anos, se o cristão-novo fosse acusado de judaízar, teria direito a conhecer os seus acusadores para que pudesse defender-se; caso fosse comprovado o crime de heresia, seria condenado à perda de bens, posteriormente legados aos herdeiros cristãos; os físicos e os cirurgiões que não sabiam latim poderiam utilizar livros de medicina em hebraico; finalmente, os cristãos-novos não deveriam ser tratados de forma distinta, uma vez que estavam convertidos à Santa Fé.

As garantias inscritas no decreto não convenceram, porém, uma parte da comunidade. Muitos optaram por sair do país, levando consigo os seus bens, e os mais ricos negociaram letras de câmbio com os cristãos, para depois serem trocadas noutro país. Isto é: uma parte da riqueza do país estava a fugir. D. Manuel I entendeu que devia agir e, em 1499, reagiu à fuga das fortunas com a publicação de duas leis: a primeira proibia o negócio com os judeus; e a segunda impedia a saída do reino dos conversos de 1497 sem prévia autorização régia. O incumprimento das normas resultaria no confisco dos bens dos infractores.
A 19 de Abril de 1506, Domingo de Pascoela, a minoria cristã-nova sentiu, pela primeira vez em Portugal, uma inaudita violência sobre pessoas e bens. Lisboa estava então assombrada pela peste que assolava a capital desde Outubro do ano anterior. Um período de seca matara os campos nos arrabaldes; escasseavam alimentos; a fome tomava conta da cidade.

Damião de Góis escreveu que naquele dia a igreja do convento de São Domingos estava repleta de cristãos-velhos, pois surgira um rumor de que a 15 do mesmo mês, acontecera um milagre naquele templo dominicano. Os crentes aguardavam uma repetição. E ele aconteceu, aos olhos dos cristãos: uma luz brilhou no crucifixo da igreja e a multidão rejubilou. Menos uma pessoa. Que chamou a atenção para o facto de se tratar de um reflexo de uma das muitas candeias que estavam acesas. Esta pessoa era um cristão-novo, mas para os cristãos-velhos era um judeu e, por isso, alvo de ódio.
Os gritos deram início ao massacre. Os crentes espalharam-se pelas ruas de Lisboa; a esta multidão juntou-se, segundo o historiador António Borges Coelho, a chusma das naus da Índia, que, atiçada pela pregação dos frades, violou, matou e queimou milhares de pessoas. Arrombavam as portas das casas, em busca de cristãos-novos, perseguiam quem tentava fugir, carregavam mortos e vivos para as fogueiras que iam sendo ateadas em vários locais da cidade, como o Rossio e a zona ribeirinha.

O homem foi arrastado para rua e, em poucos minutos, mataram-no e queimaram-no no Rossio. Sabendo do que acontecera, o irmão acorreu ao local e quando gritou pelos assassinos, foi igualmente morto e queimado numa fogueira. No meio da agitação, um frade dominicano bradou um discurso contra os judeus. Em seu redor, a turba vociferava contra a comunidade judaica. Dois frades, Frei João Mocho e Frei Bernardo, juntaram-se ao que estava a discursar, exibindo o crucifixo do “milagre” e gritando: “Heresia! Heresia! Destruam o povo abominável!”.
A matança e as pilhagens prosseguiram por três dias. Segundo os cronistas da época terão sido mortos entre duas mil a quatro mil pessoas; Alexandre Herculano e o historiador norte-americano Yosef Yerushalmi registaram duas mil, o número que obtém mais consenso entre os especialistas.

Damião de Góis, que tinha apenas quatro anos quando aconteceu a chacina, descreveu desta forma o massacre, na sua “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel”:

“No mosteiro de sam Domingos da dicta cidade está hua capella aque chamão Iesu, & nella hum Cruçifixo, em que foi entam visto hum sinal, a que dauão cor de milagre, com quantos hos que se na egreja acharam julguam ser ho contrairo, dos quais hu cistão nouo dixe q lhe pareçia hua candea açesa que estaua posta no lado da imagem de Iesu, ho que ouuindo algus homes baixos, ho tiraram pelos cabellos arrasto fora da egreja & ho mataram, & queimaram logo ho corpo no resio.

Aho qual aluoroço acodio muito pouo, aquem hum frade fez hua pregaçam conuocandoho cotra hos cristãos nouos, apos ho que sairão dous frades do mosteiro, com hum Cruçifixo nas mãos bradando, heresia, heresia, ho que imprimio tanto em muita gente estrangeira, popular, marinheiros de naos que entam vieram de Holãda Zlenada, Hoestelãda & outras partes, assi homes de terra, da mesma condiçam & pouca calidade, que jutos mais de quinetos, começaram a mattar todolos cristãos nouos que achauam pelas ruas & hos corpos mortos & meos vivos lauçauão & queimauam em fogueiras que tinham feitas na ribeira & no resio, aho qual negoçio lhes seruião escrauos & moços, que cõ muita diligençia acarretauam lenha, & outros materiaes pera açender ho fogo, no qual domingo de Pascoella mattaram mais de quinhentas pessoas. A esta turma de maos homes, & dos frades, que sem temor de Deos andauam pelas ruas conçitando ho pouo a esta tamanha crueldade, se ajuntaram mais de homes da terra, da calidade dos outros, que todos juntos à segunda feira continuaram nesta maldade com mór crueza, & por já nas ruas nam acharem nenhus christãos nouos, foram cometter com vaiues & escadas, has casas em que viuiam, ou onde sabiam que estauam, & tirandohos dellas arrasto pelas ruas, co seus filhos, molheres, & filhas, hos lançauam de mistura viuos, & mortos nas fogueiras, sem nenhua piedade, & era tamanha há crueza q até nos mininos, & nas crianças que estauão no breço há executauam, tomandohos pelas pernas fendeo hos em pedaços, & esborachandohos darremeso nas paredes. Nas quaes cruezas se nam esqueçiam de lhes metter a saquo has casas, & roubar todo ho ouro, prata & enxouaes que nellas achauam, vindo ho negoçio a tanta dissoluçam que das egrejas tirauão muitos homes, molheres, moços, moças, destes inocentes, desapegandohos dos sacrarios; & das images de nosso Senhor, & nossa Senhora & outros Sanctos, com que ho medo da morte hos tinha abraçados & dalli hos tirauam, mattando & queimando misticamente sem nenhu temor de Deos assi a ellas quomo a elles.
Neste dia pereçeram mais de mil almas sem hauer na çidade quem ousasse de resistir, pola pouca gete de forte que nella havia, por estarem hos mais honrrados fora, por caso da peste. (…)”

Nesta mesma crónica, o historiador descreveu ainda a actuação do rei, que foi informado do que estava a acontecer em Lisboa quando estava em Aviz, a caminho de Beja para visitar a mãe, a infanta D. Beatriz. D. Manuel I ficou “triste” e “enojado”, tendo dado de imediato poderes ao Prior do Crato e a D. Diogo Lobo para castigarem os culpados. O problema era identificar os culpados. Uma cidade inteira revoltara-se contra os judeus e matara aqueles que não conseguiram escapar. Muitos portugueses (Damião de Góis conta que, entre os assassinos, estavam também estrangeiros, quase todos marinheiros, que recolheram às naus com os saques) foram presos e condenados à forca. Góis escreveu que Frei João Mocho e Frei Bernardo foram queimados na fogueira, num local público, mas o ensaísta e professor António José Saraiva defendeu que os dois frades escaparam à condenação, argumentando que, 36 anos depois do massacre, ambos estavam vivos e ao serviço de D. João III em Roma.

sexta-feira, 31 de março de 2017

Extinção do Tribunal do Santo Ofício

Após quase 300 anos de atividade o Tribunal do Santo Ofício foi extinto, no dia a 31 de Março de 1821, (Reinado de Dom João VI) na sequência de uma decisão nas cortes gerais do reino.
A Inquisição, estabelecida no país durante 285 anos, perseguiu e condenou aqueles que considerava hereges ou seguidores de outras religiões que não a católica.

Instituída de forma permanente em 1536, (Reinado de Dom João III) a Inquisição Portuguesa, tinha jurisdição sobre todas as colónias do país.
Este tribunal aceitava denúncias de pessoas desconhecidas e a sua confissão podia ser obtida por meios de tortura física ou mental.

O leque de penas a aplicar também era muito variado e podia ser de carácter espiritual, de prisão, de vexame público, perda de bens ou condenação à morte pelo garrote ou pelo fogo.
Foram muitas, profundas e duradouras as marcas deixadas por esta acção repressiva tanto no carácter como na evolução do País. Alguns pensadores do século XIX viram nela a origem de toda a decadência portuguesa. "Túmulo da nacionalidade" Citando Antero de Quental.
A 7 de Agosto de 1794 - Tem lugar em Lisboa o último Auto-de-fé ou auto-da-fé refere-se a eventos de penitência realizados publicamente (ou em espaços reservados para isso) com humilhação de heréticos e apóstatas bem como punição aos cristãos-novos pelo não cumprimento ou vigilância da nova fé lhes outorgada, postos em prática pela Inquisição, principalmente em Portugal e Espanha.
As punições para os condenados pela Inquisição iam da obrigação de envergar um sambenito (espécie de capa ou tabardo penitencial), passando por ordens de prisão e, finalmente, em jeito de eufemismo, o condenado era relaxado à justiça secular, isto é, entregue aos carrascos da Coroa (poder secular, em oposição ao poder sagrado do clero). O estado secular procedia às execuções como punição a uma ofensa herética repetida, em consequência da condenação pelo tribunal religioso. Se os prisioneiros desta categoria continuassem a defender a heresia e repudiar a Igreja Católica, eram queimados vivos. Contudo, se mostrassem arrependimento e se decidissem reconciliar com o catolicismo, os carrascos procederiam ao "piedoso" acto de os estrangular antes de acenderem a pira de lenha.


Os autos de fé decorriam em praças públicas e outros locais muito frequentados, tendo como assistência regular representantes da autoridade eclesiástica e civil.

 O último auto-de-fé, após uma condenação pela Inquisição espanhola, envolveu o professor Cayetano Ripoll e decorreu a 26 de Julho de 1826. Seu julgamento, sob a acusação de deísmo, durou cerca de dois anos. Morreu pelo garrote no pelourinho, após dizer as palavras: "Morro reconciliado com Deus e com o Homem".
A Inquisição, ou Santa Inquisição foi uma espécie de tribunal religioso criado na Idade Média para condenar todos aqueles que eram contra os dogmas pregados pela Igreja Católica.

Fundado pelo Papa Gregório IX, em 1231, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição mandou para a fogueira milhares de pessoas que eram consideradas hereges (praticante de heresias; doutrinas ou práticas contrárias ao que é definido pela Igreja Católica) por praticarem actos considerados bruxaria, heresia ou simplesmente por serem praticantes de outra religião que não o catolicismo.

A verdade é que embora o apogeu da Inquisição tenha se dado no século XVIII, as perseguições aos hereges pelos católicos, têm registros bem mais antigos. No século XII os “albigenses” foram massacrados a mando do Papa Inocêncio III que liderou uma cruzada contra aqueles que eram considerados os “hereges do sul da França” por pregarem a volta da Igreja às suas origens e a rejeição a opulência da Igreja da época.

Em 1252, a situação que já era ruim, piora. O Papa Inocêncio IV publica um documento, o “Ad Exstirpanda”, onde autoriza o uso da tortura como forma de conseguir a conversão. O documento é renovado pelos papas seguintes reforçando o poder da Igreja e a perseguição.

A Inquisição tomou tamanha força que mesmo os soberanos e os nobres temiam a perseguição pelo Tribunal e, por isso, eram obrigados a ser condizentes. Até porque, naquela época, o poder da Igreja estava intimamente ligado ao do estado.

Mais terrível que qualquer episódio da história humana até então, a Inquisição enterrou a Europa sob um milênio de trevas deixando um saldo de incontáveis vítimas de torturas e perseguições que eram condenadas pelos chamados “autos de fé” – ocasião em que é lida a sentença em praça pública.

Galileu Galilei foi um exemplo bastante famoso da insanidade cristã na Idade Média: perseguido por afirmar através de suas teorias que a terra girava em torno do sol e não o contrário. Mas, para ele o episódio não teve mais implicações. Já outros como Giordano Bruno, o pai da filosofia moderna, e Joana D’Arc, que afirmava ser uma enviada de Deus para libertar a França e utilizava roupas masculinas, foram mortos pelo Tribunal do Santo Ofício.

Uma lista de livros proibidos foi publicada, o ”Index Librorum Prohibitorum” através da qual diversos livros foram queimados ou proibidos pela Igreja.

O Tribunal era bastante rigoroso quanto à condenação. O réu não tinha direito à saber o porquê e nem por quem havia sido condenado, não tinha direito a defesa e bastavam apenas duas testemunhas como prova.

O pior período da Inquisição foi durante a chamada Inquisição Espanhola (Século XV ao Século XIX). De caráter político, alguns historiadores afirmam que a Inquisição Espanhola foi uma forma que Fernando de Aragão encontrou de perseguir seus opositores, conseguir o poder total sobre os reinos de Castela e Aragão (Espanha) e ainda expulsar os judeus e muçulmanos.

O primeiro Auto-de-Fé ocorreu em Sevilha, durante o ano de 1481, com a execução de seis homens e mulheres. A Inquisição teve um pouco menos de poder em Portugal, tendo sido estabelecida em 23 de Maio 1536, pelo Papa Paulo III. Tendo a sua primeira sede em Évora, onde se achava a corte. Tal como nos demais reinos ibéricos, tornou-se um tribunal ao serviço da Coroa durando oficialmente até 1821, se bem que tenha sido muito debilitada com o regime do Marquês de Pombal na segunda metade do século XVIII.

O último Auto-de-Fé em Portugal ocorreu no dia 7 de Agosto de 1794, contrariando as tradicionais sentenças de centenas de inocentes, sendo apenas condenado a prisão um homem que teria insultado a Igreja.

A Inquisição foi extinta gradualmente ao longo do século XVIII, embora só em 1821 se dê a extinção formal em Portugal numa sessão das Cortes Gerais. Porém, para alguns estudiosos, a essência da Inquisição original, permaneceu na Igreja Católica através de uma nova congregação: A Congregação para a Doutrina da Fé.
Actualmente, o Vaticano já condenou estes actos, pedindo desculpas por os ter executado.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Primeira travessia aérea do Atlântico Sul

Faz hoje precisamente 95 anos. Dois oficiais da Marinha de Guerra, os comandantes Jorge de Sacadura Freire Cabral (1881-1924) e Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) iniciaram aquela que seria a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Depois de todas as terras terem sido descobertas, de todos os mares terem sido navegados, chegara a vez de explorar os ares por onde nenhum ser humano tinha estado, desafiando rotas cada vez mais longas e arriscadas. A primeira travessia sobre do Canal da Mancha, pelo francês Louis Blériot (1909); do Mediterrâneo, por Roland Garros (igualmente francês, em 1913); do Atlântico Norte (da Terra Nova à Irlanda) pelos norte-americanos Alcock e Brown, em hidroaviões da Marinha dos EUA (1919).

 Mas os portugueses também fazem das suas. Em Outubro de 1920, dois aviadores da Aeronáutica Militar (do Exército), José Manuel Sarmento de Beires e António Brito Pais tentam a travessia de Lisboa à Madeira num bombardeiro Breguet 14. É uma verdadeira aventura: um vôo directo de 1500 Kms sobre o mar, sem rádio nem navios de apoio, num avião com trem de aterragem de rodas, e portanto incapaz de amarar em caso de emergência. Atingida a Madeira, a ilha está envolta em nevoeiro cerrado, e os aviadores são incapazes de se orientar e aterrar. Esgotado o combustível, despenham-se no mar. Mas como a sorte protege os audazes, acabam por ser salvos, milagrosamente, por um cargueiro inglês que por eles passa, por mero acaso.
 No ano seguinte, aquando da compra por parte da Marinha de dois hidro-aviões torpedeiros em Inglaterra, Sacadura Cabral (aviador) e Gago Coutinho (hidrógrafo) propõem a encomenda de um terceiro, modificado sob especificação (asas de maior envergadura, sem armamento e com muito maior capacidade de combustível) para tentar a travessia do Atlântico Sul no ano seguinte, por ocasião do centenário da independência do Brasil. A ideia é aceite, e assim a Marinha recebe o Fairey IIID F-400, que é baptizado de «Lusitânia».

 Mas a viagem Lisboa-Rio de Janeiro é bastante mais ambiciosa que todos os anteriores vôos sobre o mar. Totaliza 8000 quilómetros, em grandes etapas voadas em larga medida de noite, sem outra referência que não as estrelas, e por diferentes regimes de vento. Para possibilitar o vôo sobre grandes extensões de oceano de noite, Gago Coutinho adapta o sextante para o uso em navegação aérea, dotando-o de um horizonte artificial. Depois de efectuada a primeira travessia bem-sucedida até à Madeira, em 1921, a grande viagem tem início a 30 de Março de 1922, quando às 16h30 o «Lusitânia» sai da base de hidroaviões na Doca do Bom Sucesso, em Belém e levanta vôo.
Ao longo do trajecto entre Lisboa, as Canárias, Cabo Verde, Fernando de Noronha e a costa brasileira, a Marinha destacou navios de forma a prestar assistência à expedição. A viagem seria atribulada ao aproximar-se da costa brasileira, e seria muito atrasada quando o «Lusitânia» é perdido na amaragem junto aos penedos S. Pedro e S. Paulo, tendo os dois aviadores sido salvos pelo cruzador «NRP República». De Lisboa, é enviado um segundo avião, o «Pátria», de forma a retomar a viagem desde o ponto em que fora interrompida, mas o azar de novo acontece e também este avião é perdido numa amaragem de emergência.

Mas não era admissível desistir. De Lisboa larga o cruzador «NRP Carvalho Araújo» com o terceiro Fairey IIID a bordo, mais tarde baptizado «Santa Cruz». A 5 de Junho, Sacadura Cabral e Gago Coutinho levantam vôo de Fernando de Noronha em direcção ao Recife, a partir de onde bastará voar ao longo da costa até chegar ao Rio. Tiveram, como se sabe, uma recepção apoteótica, com as mais altas honras. Um dos que fez questão de os esperar na Baía de Guanabara foi Santos Dumont.
Outros vôos memoráveis foram feitos por Portugueses. Em Abril de 1924, Sarmento de Beires e Brito Pais, desta vez com o mecânico Manuel Gouveia, partem com destino a Macau a bordo do Breguet XVI «Pátria», comprado em segunda mão por subscrição pública, e que foi destruído numa aterragem forçada na Índia. Como a subscrição pública tinha sido generosa, o «Pátria» foi substituído pelo «Pátria II», comprado localmente. Mas tal como na travessia à Madeira, o mau tempo estragaria os planos aos aviadores portugueses: à aproximação a Macau, um temporal impediu a aterragem e foi decidido tentarem Cantão. No percurso, o motor sofreu uma avaria que obrigou a uma aterragem de emergência numa aldeia chinesa, acabando aí a aventura.

Em Março de 1925, a Aeronáutica Militar, de novo num bombardeiro Breguet XIV adaptado com depósitos suplementares, efectuou a ligação Lisboa-Bolama (Guiné), com escalas ao longo da costa africana. Chegados à Guiné, após uma viagem de 4000 Kms, Joaquim Sérgio da Silva (piloto), José Pedro Pinheiro Correia (navegador) e Manuel António (mecânico) são recebidos pelo governador da província com a notícia de que está em curso uma revolta indígena e de que o avião é necessário para apoiar as tropas. Não tendo - obviamente - trazido bombas consigo, o Breguet XIV efectua um bombardeamento com bombas aéreas improvisadas: granadas de mão às quais se soldaram aletas feitas de metal das latas de conserva, para poderem ter alguma precisão e acertar no alvo.
O triunfo na travessia do Atlântico não refreou a ambição de Sacadura Cabral. O seu novo projecto batia tudo o que tinha sido proposto até então: a volta ao mundo em avião, em sentido inverso à da viagem de Fernão de Magalhães. Isto numa altura em que ninguém tinha ainda atravessado o Oceano Pacífico (o que só viria a acontecer em 1928). Surpreendentemente, obteve apoio do Governo, e foram encomendados na Holanda cinco aviões Fokker, desta vez monoplanos e construídos de propósito para a viagem. Numa das viagens de entrega dos aviões, em 15 de Novembro de 1924, Sacadura Cabral perdeu-se no nevoeiro cerrado e desapareceu no Mar do Norte, ao largo da Bélgica. Gago Coutinho, que tinha 53 anos aquando da travessia do Atlântico, prosseguiu a sua brilhante carreira na Armada, tendo atingido o posto de almirante. Faleceu em 1959.

Lembrar a vôo Lisboa-Rio de Janeiro de 1922, primeira travessia do Oceano Atlântico com navegação astronómica, e primeira do Atlântico Sul, não é apenas homenagear os dois protagonistas da aventura e a organização que esteve por trás: é lembrar algo que foi umas das raras coisas boas que aconteceram nesse período negro da História de Portugal que foi a Primeira República, e um acontecimento que não só foi positivo para a auto-estima dos portugueses como foi um motivo de orgulho e prestígio internacional. E é homenagear os aviadores portugueses dessa época - hoje tão desconhecidos e injustamente afastados do quadro de referências históricas - que, num misto de ciência, coragem e loucura, se aventuravam mar adentro confiando na tecnologia rudimentar da época (que para eles era a mais sofisticada) em aviões biplanos lentos, de estrutura de madeira coberta de tela, de um só motor, sempre de cabeça de fora do cockpit durante muitas horas, por vezes sem rádio nem ajuda do exterior, e para quem conceitos como o radar ou o GPS seriam impossíveis de imaginar. Era outra gente. Era outra maneira de estar na vida. Oxalá nos inspirem no momento que atravessamos.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Extinção da Ordem dos Templários - 22 de Março de 1312


Em 1099 Jerusalém è tomada pelos exércitos da primeira Cruzada[i] à Palestina. Cerca de vinte anos depois, nove cavaleiros oriundos da França e da Borgonha constituem-se em irmandade com o propósito de protegerem os peregrinos nos perigosos caminhos entre o porto de Acre e Jerusalém.

O seu mestre e fundador, foi Hugo de Payens, da Borgonha, que com os demais cavaleiros assumem os votos monásticos de pobreza, castidade e a obediência. Em 1128 a sua irmandade, entretanto numerosa, foi reconhecida pelo concílio de Troyes, Papa Honório II, como ordem monástico-militar com o nome de Milícia dos Pobres Cavaleiros de Cristo.
É então que os cavaleiros abandonam as instalações na igreja do Santo Sepulcro, que os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho lhes tinham cedido, para irem ocupar o seu palácio e outras construções que o rei franco Balduíno II lhes proporciona, no terraço de Heródes, no antigo templo de Jerusalém. Entre estas construções receberam, para sua igreja conventual, a Mesquita do Rochedo que o califa Omar começara a construir em 642.

Com o tempo, na cultura das cruzadas, a imagem da mesquita transformou-se num imaginário Templo de Salomão e os cavaleiros passaram a ser conhecidos por Cavaleiros do Templo de Salomão ou simplesmente Templários. Também com o tempo, a sua missão mudou e, de defensores de peregrinos, passaram a defensores dos estados cristãos da Terra Santa. A Ordem será mantida graças aos numerosos donativos que lhes faziam na Europa, agrupados e administrados de forma metódica em Comendas.

A sua missão durou cerca de 200 anos, período durante o qual a Palestina esteve sob o domínio dos cruzados e o poder dos Templários cresceu graças à sua disciplina militar e organização logística. A queda de Jerusalém em 1291[ii], marca o início da trágica história dos Templários que, perseguidos por Filipe IV de França, num processo iniciado em 13 de Outubro de 1307, culmina com a extinção da Ordem a 22 de Março de 1312 pelo Papa Clemente V e a morte na fogueira do último mestre templário, Jacques de Molay em Outubro de 1314.
A Ordem do Templo chegou ao Condado Portucalense ainda à época de Teresa de Leão, condessa de Portugal, que lhe fez a doação da "villa" de Fonte Arcada, atual concelho de Penafiel, anteriormente a 1126. Em 1127, a condessa fez-lhe a doação do Castelo de Soure, na linha do rio Mondego, sob o compromisso de colaborar na conquista de terras aos Muçulmanos. No reinado de Afonso I de Portugal (1143-1185) a Ordem recebeu a doação do Castelo de Longroiva (1145), na linha do rio Côa. Pouco depois os cavaleiros da Ordem apoiaram o soberano na conquista de Santarém (1147) ficando sob responsabilidade da Ordem a defesa do território entre o rio Mondego e o rio Tejo, a montante de Santarém. A partir de 1160 a Ordem estabeleceu a sua sede no país em Tomar. O processo de extinção da Ordem no país iniciou-se com a recepção da bula "Regnans in coelis", datada de 12 de Agosto de 1308, através da qual o Papa Clemente V deu conhecimento aos monarcas cristãos do processo movido contra os seus membros. Posteriormente, pela bula "Callidi serpentis vigil", datada de Dezembro de 1310, o pontífice decretou a detenção dos mesmos. Dom Dinis I de Portugal (1279-1325), a partir de 1310 procurou evitar a transferência do património da Ordem no país para a Ordem de São João do Hospital (Ordem dos Hospitalários), vindo a obter, do Papa João XXII a bula "Ad ae exquibus", expedida em 15 de Março de 1319, pela qual era aprovada a constituição da "Ordo Militiae Jesu Christi" (Ordem da Milícia de Jesus Cristo), à qual foram atribuídos os bens da extinta Ordem no país. A nova Ordem, após uma curta passagem por Castro Marim, veio a sediar-se também em Tomar.

 Mais tarde, pela mão do seu Grão-Mestre, Infante Dom Henrique, Portugal e a Ordem de Cristo iniciam as viagens Marítimas dos descobrimentos.
A lenda do Priorado do Sião e os Templários

Segundo Plantard, os Cavaleiros Templários e o Priorado de Sião seriam duas facetas de uma mesma organização: a primeira pública e a última secreta. Plantard afirmava que a Igreja Católica tinha traído os Merovíngios ao legitimar a dinastia carolíngia. Segundo Plantard, o Priorado teria como missão proteger os descendentes da dinastia merovíngia, organizando-se contra a Igreja Católica:

"… os descendentes merovíngios estiveram sempre na base de todas as heresias, desde o arianismo, passando pelos cátaros e pelos templários até à franco-maçonaria. Com o nascimento do protestantismo, Mazarin em Julho de 1659 fez destruir o seu [dos descendentes merovíngios] castelo de Barberie que datava do século XII (Nièvre, França). Esta casa não tem gerado através dos séculos senão agitadores secretos contra a Igreja…"
Segundo Plantard, em 1188 o Priorado do Sião ter-se-ia separado dos Templários, passando a operar às escondidas (Plantard chamou a esta separação "corte do olmo"), tornando-se uma "sociedade secreta" da elite, enquanto os Templários foram violentamente atacados pelo rei francês Filipe IV, o Belo e pelo Papa Clemente V. Em 13 de Outubro de 1307, Filipe IV ordenou a prisão de todos os Cavaleiros Templários. Este evento deu origem à superstição do azar nas sextas-feiras 13. Uma lenda diz que na noite anterior à detenção, um número desconhecido de Cavaleiros teria partido de França com dezoito navios carregados com o lendário tesouro da Ordem. Uma parte desses navios teria aportado na Escócia e os Templários ter-se-iam fundido noutros movimentos, fazendo sobreviver os seus ideais ao longo dos séculos seguintes.



[i] Entre os anos de 1096 e 1270, foram organizadas muitas Cruzadas, mas a História registra oito delas como sendo as principais. Na verdade, houve um fluxo ininterrupto de peregrinações a Jerusalém, armadas ou não, que desembarcavam ali todos os anos durante a primavera. O termo “Cruzada” adveio do período em que o Papa Urbano II, durante o Concílio de Clermont, ordenou aos cavaleiros que estavam de partida para a Terra Santa que assinalassem com uma cruz os seus trajes guerreiros, com a promessa de receberem a indulgência pelos pecados cometidos, a suspensão de suas dívidas e a proteção dos seus bens. Inclusive, muitos daqueles que partiram para a conquista de Jerusalém, fizeram-no justamente na expectativa de morrer na luta e ganhar a salvação eterna. Os cavaleiros passaram, então, a utilizar o símbolo da cruz sobre as suas armaduras.
[ii] O Reino de Jerusalém foi um Estado cruzado criado no Levante em 1099 pela Primeira Cruzada. Teve a sua capital em Jerusalém e mais tarde em Acre. Foi extinto em 1291, com a queda desta última cidade.

quinta-feira, 9 de março de 2017

9 de Março de 1500, faz hoje precisamente 517 anos que a armada de Pedro Álvares Cabral larga de Lisboa rumo a Calecute

Depois de uma missa celebrada na ermida do Restelo, a que assistiram o rei D. Manuel e toda a Corte, a armada de Pedro Álvares Cabral[i] zarpou da barra do Tejo nesse dia 9 de Março de 1500.

Álvares Cabral, que então teria pouco mais de trinta anos, tinha sob o seu comando uma poderosa armada de 13 naus e, como objectivo, a cidade de Calecute, na Índia, onde era preciso reafirmar a dominação portuguesa depois da viagem de exploração que Vasco da Gama tinha realizado dois anos antes. Outros objectivos eram então perseguidos, retornar com especiarias valiosas e estabelecer relações comerciais na Índia — contornando o monopólio sobre o comércio de especiarias, então nas mãos de comerciantes árabes, turcos e italianos.

Foi o próprio descobridor do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama, quem organizou o roteiro da viagem de Cabral, no qual incluiu a indicação de que era conveniente que a frota fizesse uma bordada em direcção ao Atlântico sul mais aberta para ocidente, a fim de evitar os maus ventos.
Desse modo a frota acaba por se afastar bastante da costa africana, talvez intencionalmente, cumprindo uma indicação de Vasco da Gama? Acaba por desembarcar no que ele inicialmente achou tratar-se de uma grande ilha à qual deu o nome de Vera Cruz (Verdadeira Cruz) e que Pêro Vaz de Caminha faz referência.

Explorou o litoral e percebeu que a grande massa de terra era provavelmente um continente, decide ordenar o regresso de uma das naus com o intuito de informar o rei Dom Manuel I da descoberta dessas terras. Como o novo território se encontrava dentro do hemisfério português de acordo com o Tratado de Tordesilhas[ii], reivindicou-o para a Coroa Portuguesa. Havia desembarcado na América do Sul, e as terras que havia reivindicado para o Reino de Portugal mais tarde constituiriam o Brasil. A frota reabasteceu-se e continuou rumo ao leste, com a finalidade de retomar a viagem a caminho da Índia.

Muitos historiadores vêem aqui a explicação para o facto de Pedro Álvares Cabral ter, pelo caminho, acabado por descobrir o Brasil, cuja terra avistou a 22 de Abril, e onde permaneceu até 2 de Maio.
A provar a importância atribuída à descoberta está o facto de Cabral ter decidido fazer regressar uma das naus a Lisboa, para dela dar notícia, através da famosa carta de Pêro Vaz de Caminha.

A armada continuou depois, a dura viagem para sul e leste, contornando o cabo da Boa Esperança e os seus "Adamastores".
A atestar essa dificuldade e dureza está o facto de Cabral ter perdido, numa tempestade no Atlântico Sul, seis ou sete naus, dispersando-se as restantes, que segundo relatos da época se terão reagrupado no Canal de Moçambique antes de prosseguirem para Calecute, na Índia, onde chegaram a 13 de Setembro.

Aí teve de enfrentar uma revolta liderada por árabes, que resultou no massacre de vários portugueses.

Cabral inicialmente obteve sucesso na negociação dos direitos de comercialização das especiarias, mas os comerciantes árabes consideraram o negócio português como uma ameaça ao monopólio deles e provocaram um ataque de muçulmanos e hindus ao entreposto português.

Os portugueses sofreram várias baixas e as suas instalações foram destruídas. Cabral vingou-se do ataque saqueando e queimando a frota árabe e, em seguida, bombardeou a cidade em represália à incapacidade de seu governante em explicar o ocorrido.

De Calecute a expedição rumou para Cochim, outra cidade-estado indiana, onde Cabral fez amizade com o seu governante e carregou os seus navios com especiarias cobiçadas antes de retornar ao reino, chegando a Lisboa apenas a 31 de Julho de 1501, agora já apenas com três embarcações. Apesar da perda de vidas humanas e de navios, a viagem de Cabral foi considerada um sucesso após o seu regresso a Portugal. Os lucros extraordinários resultantes da venda das especiarias reforçaram as finanças da Coroa Portuguesa e ajudaram a lançar as bases de um Império Português, que se estenderia das Américas ao Extremo Oriente.

Cabral foi mais tarde preterido quando uma nova frota foi reunida para estabelecer uma presença mais robusta na Índia, possivelmente como resultado de uma suposta discordância Dom Manuel I. Tendo perdido a preferência do rei, aposentou-se da vida pública, havendo poucos registros sobre a parte final de sua vida.

As suas realizações caíram no esquecimento por mais de 300 anos. Algumas décadas depois da independência do Brasil de Portugal, no século XIX, a reputação de Cabral começou a ser reabilitada pelo Imperador Dom Pedro II do Brasil. Desde então, os historiadores têm discutido se Cabral foi o descobridor do Brasil e se a descoberta foi acidental ou intencional. A primeira dúvida foi resolvida pela observação de que os poucos encontros superficiais feitos por exploradores antes dele mal foram notados e em nada contribuíram para o desenvolvimento e a história futuros da terra que se tornaria o Brasil, única nação das Américas onde a língua oficial é o português. Quanto à segunda questão, nenhum consenso definitivo foi formado e a hipótese de descoberta intencional carece de provas sólidas. Não obstante, embora o seu prestígio tenha sido ofuscado pela fama de outros exploradores da época, Cabral é hoje considerado uma das personalidades mais importantes da Era dos Descobrimentos.


[i] Pedro Álvares Cabral (Belmonte, 1467 ou 1468 – Santarém 1520) foi um fidalgo, navegador e explorador português, creditado como o descobridor do Brasil. Realizou a primeira exploração significativa da costa nordeste da América do Sul, reivindicando-a para Portugal. Embora os detalhes da vida de Cabral sejam poucos, sabe-se que veio de uma família nobre colocada na província e recebeu uma boa educação formal.

[ii] O Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7 de Junho de 1494, foi um tratado celebrado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. Este tratado surgiu na sequência da contestação portuguesa às pretensões da Coroa de Castela, resultantes da viagem de Cristóvão Colombo, que um ano e meio antes chegara ao chamado Novo Mundo, reclamando-o oficialmente para Isabel, a Católica (1474-1504).
Pelo tratado o mundo de então era dividido em dois hemisférios, demarcados pela linha de pólo a pólo que passasse 370 léguas a ocidente de Cabo Verde. A ocidente desse hemisfério, as terras novas pertenciam à Espanha e as descobertas para oriente pertenciam a Portugal.