sexta-feira, 31 de março de 2017

Extinção do Tribunal do Santo Ofício

Após quase 300 anos de atividade o Tribunal do Santo Ofício foi extinto, no dia a 31 de Março de 1821, (Reinado de Dom João VI) na sequência de uma decisão nas cortes gerais do reino.
A Inquisição, estabelecida no país durante 285 anos, perseguiu e condenou aqueles que considerava hereges ou seguidores de outras religiões que não a católica.

Instituída de forma permanente em 1536, (Reinado de Dom João III) a Inquisição Portuguesa, tinha jurisdição sobre todas as colónias do país.
Este tribunal aceitava denúncias de pessoas desconhecidas e a sua confissão podia ser obtida por meios de tortura física ou mental.

O leque de penas a aplicar também era muito variado e podia ser de carácter espiritual, de prisão, de vexame público, perda de bens ou condenação à morte pelo garrote ou pelo fogo.
Foram muitas, profundas e duradouras as marcas deixadas por esta acção repressiva tanto no carácter como na evolução do País. Alguns pensadores do século XIX viram nela a origem de toda a decadência portuguesa. "Túmulo da nacionalidade" Citando Antero de Quental.
A 7 de Agosto de 1794 - Tem lugar em Lisboa o último Auto-de-fé ou auto-da-fé refere-se a eventos de penitência realizados publicamente (ou em espaços reservados para isso) com humilhação de heréticos e apóstatas bem como punição aos cristãos-novos pelo não cumprimento ou vigilância da nova fé lhes outorgada, postos em prática pela Inquisição, principalmente em Portugal e Espanha.
As punições para os condenados pela Inquisição iam da obrigação de envergar um sambenito (espécie de capa ou tabardo penitencial), passando por ordens de prisão e, finalmente, em jeito de eufemismo, o condenado era relaxado à justiça secular, isto é, entregue aos carrascos da Coroa (poder secular, em oposição ao poder sagrado do clero). O estado secular procedia às execuções como punição a uma ofensa herética repetida, em consequência da condenação pelo tribunal religioso. Se os prisioneiros desta categoria continuassem a defender a heresia e repudiar a Igreja Católica, eram queimados vivos. Contudo, se mostrassem arrependimento e se decidissem reconciliar com o catolicismo, os carrascos procederiam ao "piedoso" acto de os estrangular antes de acenderem a pira de lenha.


Os autos de fé decorriam em praças públicas e outros locais muito frequentados, tendo como assistência regular representantes da autoridade eclesiástica e civil.

 O último auto-de-fé, após uma condenação pela Inquisição espanhola, envolveu o professor Cayetano Ripoll e decorreu a 26 de Julho de 1826. Seu julgamento, sob a acusação de deísmo, durou cerca de dois anos. Morreu pelo garrote no pelourinho, após dizer as palavras: "Morro reconciliado com Deus e com o Homem".
A Inquisição, ou Santa Inquisição foi uma espécie de tribunal religioso criado na Idade Média para condenar todos aqueles que eram contra os dogmas pregados pela Igreja Católica.

Fundado pelo Papa Gregório IX, em 1231, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição mandou para a fogueira milhares de pessoas que eram consideradas hereges (praticante de heresias; doutrinas ou práticas contrárias ao que é definido pela Igreja Católica) por praticarem actos considerados bruxaria, heresia ou simplesmente por serem praticantes de outra religião que não o catolicismo.

A verdade é que embora o apogeu da Inquisição tenha se dado no século XVIII, as perseguições aos hereges pelos católicos, têm registros bem mais antigos. No século XII os “albigenses” foram massacrados a mando do Papa Inocêncio III que liderou uma cruzada contra aqueles que eram considerados os “hereges do sul da França” por pregarem a volta da Igreja às suas origens e a rejeição a opulência da Igreja da época.

Em 1252, a situação que já era ruim, piora. O Papa Inocêncio IV publica um documento, o “Ad Exstirpanda”, onde autoriza o uso da tortura como forma de conseguir a conversão. O documento é renovado pelos papas seguintes reforçando o poder da Igreja e a perseguição.

A Inquisição tomou tamanha força que mesmo os soberanos e os nobres temiam a perseguição pelo Tribunal e, por isso, eram obrigados a ser condizentes. Até porque, naquela época, o poder da Igreja estava intimamente ligado ao do estado.

Mais terrível que qualquer episódio da história humana até então, a Inquisição enterrou a Europa sob um milênio de trevas deixando um saldo de incontáveis vítimas de torturas e perseguições que eram condenadas pelos chamados “autos de fé” – ocasião em que é lida a sentença em praça pública.

Galileu Galilei foi um exemplo bastante famoso da insanidade cristã na Idade Média: perseguido por afirmar através de suas teorias que a terra girava em torno do sol e não o contrário. Mas, para ele o episódio não teve mais implicações. Já outros como Giordano Bruno, o pai da filosofia moderna, e Joana D’Arc, que afirmava ser uma enviada de Deus para libertar a França e utilizava roupas masculinas, foram mortos pelo Tribunal do Santo Ofício.

Uma lista de livros proibidos foi publicada, o ”Index Librorum Prohibitorum” através da qual diversos livros foram queimados ou proibidos pela Igreja.

O Tribunal era bastante rigoroso quanto à condenação. O réu não tinha direito à saber o porquê e nem por quem havia sido condenado, não tinha direito a defesa e bastavam apenas duas testemunhas como prova.

O pior período da Inquisição foi durante a chamada Inquisição Espanhola (Século XV ao Século XIX). De caráter político, alguns historiadores afirmam que a Inquisição Espanhola foi uma forma que Fernando de Aragão encontrou de perseguir seus opositores, conseguir o poder total sobre os reinos de Castela e Aragão (Espanha) e ainda expulsar os judeus e muçulmanos.

O primeiro Auto-de-Fé ocorreu em Sevilha, durante o ano de 1481, com a execução de seis homens e mulheres. A Inquisição teve um pouco menos de poder em Portugal, tendo sido estabelecida em 23 de Maio 1536, pelo Papa Paulo III. Tendo a sua primeira sede em Évora, onde se achava a corte. Tal como nos demais reinos ibéricos, tornou-se um tribunal ao serviço da Coroa durando oficialmente até 1821, se bem que tenha sido muito debilitada com o regime do Marquês de Pombal na segunda metade do século XVIII.

O último Auto-de-Fé em Portugal ocorreu no dia 7 de Agosto de 1794, contrariando as tradicionais sentenças de centenas de inocentes, sendo apenas condenado a prisão um homem que teria insultado a Igreja.

A Inquisição foi extinta gradualmente ao longo do século XVIII, embora só em 1821 se dê a extinção formal em Portugal numa sessão das Cortes Gerais. Porém, para alguns estudiosos, a essência da Inquisição original, permaneceu na Igreja Católica através de uma nova congregação: A Congregação para a Doutrina da Fé.
Actualmente, o Vaticano já condenou estes actos, pedindo desculpas por os ter executado.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Primeira travessia aérea do Atlântico Sul

Faz hoje precisamente 95 anos. Dois oficiais da Marinha de Guerra, os comandantes Jorge de Sacadura Freire Cabral (1881-1924) e Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) iniciaram aquela que seria a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Depois de todas as terras terem sido descobertas, de todos os mares terem sido navegados, chegara a vez de explorar os ares por onde nenhum ser humano tinha estado, desafiando rotas cada vez mais longas e arriscadas. A primeira travessia sobre do Canal da Mancha, pelo francês Louis Blériot (1909); do Mediterrâneo, por Roland Garros (igualmente francês, em 1913); do Atlântico Norte (da Terra Nova à Irlanda) pelos norte-americanos Alcock e Brown, em hidroaviões da Marinha dos EUA (1919).

 Mas os portugueses também fazem das suas. Em Outubro de 1920, dois aviadores da Aeronáutica Militar (do Exército), José Manuel Sarmento de Beires e António Brito Pais tentam a travessia de Lisboa à Madeira num bombardeiro Breguet 14. É uma verdadeira aventura: um vôo directo de 1500 Kms sobre o mar, sem rádio nem navios de apoio, num avião com trem de aterragem de rodas, e portanto incapaz de amarar em caso de emergência. Atingida a Madeira, a ilha está envolta em nevoeiro cerrado, e os aviadores são incapazes de se orientar e aterrar. Esgotado o combustível, despenham-se no mar. Mas como a sorte protege os audazes, acabam por ser salvos, milagrosamente, por um cargueiro inglês que por eles passa, por mero acaso.
 No ano seguinte, aquando da compra por parte da Marinha de dois hidro-aviões torpedeiros em Inglaterra, Sacadura Cabral (aviador) e Gago Coutinho (hidrógrafo) propõem a encomenda de um terceiro, modificado sob especificação (asas de maior envergadura, sem armamento e com muito maior capacidade de combustível) para tentar a travessia do Atlântico Sul no ano seguinte, por ocasião do centenário da independência do Brasil. A ideia é aceite, e assim a Marinha recebe o Fairey IIID F-400, que é baptizado de «Lusitânia».

 Mas a viagem Lisboa-Rio de Janeiro é bastante mais ambiciosa que todos os anteriores vôos sobre o mar. Totaliza 8000 quilómetros, em grandes etapas voadas em larga medida de noite, sem outra referência que não as estrelas, e por diferentes regimes de vento. Para possibilitar o vôo sobre grandes extensões de oceano de noite, Gago Coutinho adapta o sextante para o uso em navegação aérea, dotando-o de um horizonte artificial. Depois de efectuada a primeira travessia bem-sucedida até à Madeira, em 1921, a grande viagem tem início a 30 de Março de 1922, quando às 16h30 o «Lusitânia» sai da base de hidroaviões na Doca do Bom Sucesso, em Belém e levanta vôo.
Ao longo do trajecto entre Lisboa, as Canárias, Cabo Verde, Fernando de Noronha e a costa brasileira, a Marinha destacou navios de forma a prestar assistência à expedição. A viagem seria atribulada ao aproximar-se da costa brasileira, e seria muito atrasada quando o «Lusitânia» é perdido na amaragem junto aos penedos S. Pedro e S. Paulo, tendo os dois aviadores sido salvos pelo cruzador «NRP República». De Lisboa, é enviado um segundo avião, o «Pátria», de forma a retomar a viagem desde o ponto em que fora interrompida, mas o azar de novo acontece e também este avião é perdido numa amaragem de emergência.

Mas não era admissível desistir. De Lisboa larga o cruzador «NRP Carvalho Araújo» com o terceiro Fairey IIID a bordo, mais tarde baptizado «Santa Cruz». A 5 de Junho, Sacadura Cabral e Gago Coutinho levantam vôo de Fernando de Noronha em direcção ao Recife, a partir de onde bastará voar ao longo da costa até chegar ao Rio. Tiveram, como se sabe, uma recepção apoteótica, com as mais altas honras. Um dos que fez questão de os esperar na Baía de Guanabara foi Santos Dumont.
Outros vôos memoráveis foram feitos por Portugueses. Em Abril de 1924, Sarmento de Beires e Brito Pais, desta vez com o mecânico Manuel Gouveia, partem com destino a Macau a bordo do Breguet XVI «Pátria», comprado em segunda mão por subscrição pública, e que foi destruído numa aterragem forçada na Índia. Como a subscrição pública tinha sido generosa, o «Pátria» foi substituído pelo «Pátria II», comprado localmente. Mas tal como na travessia à Madeira, o mau tempo estragaria os planos aos aviadores portugueses: à aproximação a Macau, um temporal impediu a aterragem e foi decidido tentarem Cantão. No percurso, o motor sofreu uma avaria que obrigou a uma aterragem de emergência numa aldeia chinesa, acabando aí a aventura.

Em Março de 1925, a Aeronáutica Militar, de novo num bombardeiro Breguet XIV adaptado com depósitos suplementares, efectuou a ligação Lisboa-Bolama (Guiné), com escalas ao longo da costa africana. Chegados à Guiné, após uma viagem de 4000 Kms, Joaquim Sérgio da Silva (piloto), José Pedro Pinheiro Correia (navegador) e Manuel António (mecânico) são recebidos pelo governador da província com a notícia de que está em curso uma revolta indígena e de que o avião é necessário para apoiar as tropas. Não tendo - obviamente - trazido bombas consigo, o Breguet XIV efectua um bombardeamento com bombas aéreas improvisadas: granadas de mão às quais se soldaram aletas feitas de metal das latas de conserva, para poderem ter alguma precisão e acertar no alvo.
O triunfo na travessia do Atlântico não refreou a ambição de Sacadura Cabral. O seu novo projecto batia tudo o que tinha sido proposto até então: a volta ao mundo em avião, em sentido inverso à da viagem de Fernão de Magalhães. Isto numa altura em que ninguém tinha ainda atravessado o Oceano Pacífico (o que só viria a acontecer em 1928). Surpreendentemente, obteve apoio do Governo, e foram encomendados na Holanda cinco aviões Fokker, desta vez monoplanos e construídos de propósito para a viagem. Numa das viagens de entrega dos aviões, em 15 de Novembro de 1924, Sacadura Cabral perdeu-se no nevoeiro cerrado e desapareceu no Mar do Norte, ao largo da Bélgica. Gago Coutinho, que tinha 53 anos aquando da travessia do Atlântico, prosseguiu a sua brilhante carreira na Armada, tendo atingido o posto de almirante. Faleceu em 1959.

Lembrar a vôo Lisboa-Rio de Janeiro de 1922, primeira travessia do Oceano Atlântico com navegação astronómica, e primeira do Atlântico Sul, não é apenas homenagear os dois protagonistas da aventura e a organização que esteve por trás: é lembrar algo que foi umas das raras coisas boas que aconteceram nesse período negro da História de Portugal que foi a Primeira República, e um acontecimento que não só foi positivo para a auto-estima dos portugueses como foi um motivo de orgulho e prestígio internacional. E é homenagear os aviadores portugueses dessa época - hoje tão desconhecidos e injustamente afastados do quadro de referências históricas - que, num misto de ciência, coragem e loucura, se aventuravam mar adentro confiando na tecnologia rudimentar da época (que para eles era a mais sofisticada) em aviões biplanos lentos, de estrutura de madeira coberta de tela, de um só motor, sempre de cabeça de fora do cockpit durante muitas horas, por vezes sem rádio nem ajuda do exterior, e para quem conceitos como o radar ou o GPS seriam impossíveis de imaginar. Era outra gente. Era outra maneira de estar na vida. Oxalá nos inspirem no momento que atravessamos.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Extinção da Ordem dos Templários - 22 de Março de 1312


Em 1099 Jerusalém è tomada pelos exércitos da primeira Cruzada[i] à Palestina. Cerca de vinte anos depois, nove cavaleiros oriundos da França e da Borgonha constituem-se em irmandade com o propósito de protegerem os peregrinos nos perigosos caminhos entre o porto de Acre e Jerusalém.

O seu mestre e fundador, foi Hugo de Payens, da Borgonha, que com os demais cavaleiros assumem os votos monásticos de pobreza, castidade e a obediência. Em 1128 a sua irmandade, entretanto numerosa, foi reconhecida pelo concílio de Troyes, Papa Honório II, como ordem monástico-militar com o nome de Milícia dos Pobres Cavaleiros de Cristo.
É então que os cavaleiros abandonam as instalações na igreja do Santo Sepulcro, que os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho lhes tinham cedido, para irem ocupar o seu palácio e outras construções que o rei franco Balduíno II lhes proporciona, no terraço de Heródes, no antigo templo de Jerusalém. Entre estas construções receberam, para sua igreja conventual, a Mesquita do Rochedo que o califa Omar começara a construir em 642.

Com o tempo, na cultura das cruzadas, a imagem da mesquita transformou-se num imaginário Templo de Salomão e os cavaleiros passaram a ser conhecidos por Cavaleiros do Templo de Salomão ou simplesmente Templários. Também com o tempo, a sua missão mudou e, de defensores de peregrinos, passaram a defensores dos estados cristãos da Terra Santa. A Ordem será mantida graças aos numerosos donativos que lhes faziam na Europa, agrupados e administrados de forma metódica em Comendas.

A sua missão durou cerca de 200 anos, período durante o qual a Palestina esteve sob o domínio dos cruzados e o poder dos Templários cresceu graças à sua disciplina militar e organização logística. A queda de Jerusalém em 1291[ii], marca o início da trágica história dos Templários que, perseguidos por Filipe IV de França, num processo iniciado em 13 de Outubro de 1307, culmina com a extinção da Ordem a 22 de Março de 1312 pelo Papa Clemente V e a morte na fogueira do último mestre templário, Jacques de Molay em Outubro de 1314.
A Ordem do Templo chegou ao Condado Portucalense ainda à época de Teresa de Leão, condessa de Portugal, que lhe fez a doação da "villa" de Fonte Arcada, atual concelho de Penafiel, anteriormente a 1126. Em 1127, a condessa fez-lhe a doação do Castelo de Soure, na linha do rio Mondego, sob o compromisso de colaborar na conquista de terras aos Muçulmanos. No reinado de Afonso I de Portugal (1143-1185) a Ordem recebeu a doação do Castelo de Longroiva (1145), na linha do rio Côa. Pouco depois os cavaleiros da Ordem apoiaram o soberano na conquista de Santarém (1147) ficando sob responsabilidade da Ordem a defesa do território entre o rio Mondego e o rio Tejo, a montante de Santarém. A partir de 1160 a Ordem estabeleceu a sua sede no país em Tomar. O processo de extinção da Ordem no país iniciou-se com a recepção da bula "Regnans in coelis", datada de 12 de Agosto de 1308, através da qual o Papa Clemente V deu conhecimento aos monarcas cristãos do processo movido contra os seus membros. Posteriormente, pela bula "Callidi serpentis vigil", datada de Dezembro de 1310, o pontífice decretou a detenção dos mesmos. Dom Dinis I de Portugal (1279-1325), a partir de 1310 procurou evitar a transferência do património da Ordem no país para a Ordem de São João do Hospital (Ordem dos Hospitalários), vindo a obter, do Papa João XXII a bula "Ad ae exquibus", expedida em 15 de Março de 1319, pela qual era aprovada a constituição da "Ordo Militiae Jesu Christi" (Ordem da Milícia de Jesus Cristo), à qual foram atribuídos os bens da extinta Ordem no país. A nova Ordem, após uma curta passagem por Castro Marim, veio a sediar-se também em Tomar.

 Mais tarde, pela mão do seu Grão-Mestre, Infante Dom Henrique, Portugal e a Ordem de Cristo iniciam as viagens Marítimas dos descobrimentos.
A lenda do Priorado do Sião e os Templários

Segundo Plantard, os Cavaleiros Templários e o Priorado de Sião seriam duas facetas de uma mesma organização: a primeira pública e a última secreta. Plantard afirmava que a Igreja Católica tinha traído os Merovíngios ao legitimar a dinastia carolíngia. Segundo Plantard, o Priorado teria como missão proteger os descendentes da dinastia merovíngia, organizando-se contra a Igreja Católica:

"… os descendentes merovíngios estiveram sempre na base de todas as heresias, desde o arianismo, passando pelos cátaros e pelos templários até à franco-maçonaria. Com o nascimento do protestantismo, Mazarin em Julho de 1659 fez destruir o seu [dos descendentes merovíngios] castelo de Barberie que datava do século XII (Nièvre, França). Esta casa não tem gerado através dos séculos senão agitadores secretos contra a Igreja…"
Segundo Plantard, em 1188 o Priorado do Sião ter-se-ia separado dos Templários, passando a operar às escondidas (Plantard chamou a esta separação "corte do olmo"), tornando-se uma "sociedade secreta" da elite, enquanto os Templários foram violentamente atacados pelo rei francês Filipe IV, o Belo e pelo Papa Clemente V. Em 13 de Outubro de 1307, Filipe IV ordenou a prisão de todos os Cavaleiros Templários. Este evento deu origem à superstição do azar nas sextas-feiras 13. Uma lenda diz que na noite anterior à detenção, um número desconhecido de Cavaleiros teria partido de França com dezoito navios carregados com o lendário tesouro da Ordem. Uma parte desses navios teria aportado na Escócia e os Templários ter-se-iam fundido noutros movimentos, fazendo sobreviver os seus ideais ao longo dos séculos seguintes.



[i] Entre os anos de 1096 e 1270, foram organizadas muitas Cruzadas, mas a História registra oito delas como sendo as principais. Na verdade, houve um fluxo ininterrupto de peregrinações a Jerusalém, armadas ou não, que desembarcavam ali todos os anos durante a primavera. O termo “Cruzada” adveio do período em que o Papa Urbano II, durante o Concílio de Clermont, ordenou aos cavaleiros que estavam de partida para a Terra Santa que assinalassem com uma cruz os seus trajes guerreiros, com a promessa de receberem a indulgência pelos pecados cometidos, a suspensão de suas dívidas e a proteção dos seus bens. Inclusive, muitos daqueles que partiram para a conquista de Jerusalém, fizeram-no justamente na expectativa de morrer na luta e ganhar a salvação eterna. Os cavaleiros passaram, então, a utilizar o símbolo da cruz sobre as suas armaduras.
[ii] O Reino de Jerusalém foi um Estado cruzado criado no Levante em 1099 pela Primeira Cruzada. Teve a sua capital em Jerusalém e mais tarde em Acre. Foi extinto em 1291, com a queda desta última cidade.

quinta-feira, 9 de março de 2017

9 de Março de 1500, faz hoje precisamente 517 anos que a armada de Pedro Álvares Cabral larga de Lisboa rumo a Calecute

Depois de uma missa celebrada na ermida do Restelo, a que assistiram o rei D. Manuel e toda a Corte, a armada de Pedro Álvares Cabral[i] zarpou da barra do Tejo nesse dia 9 de Março de 1500.

Álvares Cabral, que então teria pouco mais de trinta anos, tinha sob o seu comando uma poderosa armada de 13 naus e, como objectivo, a cidade de Calecute, na Índia, onde era preciso reafirmar a dominação portuguesa depois da viagem de exploração que Vasco da Gama tinha realizado dois anos antes. Outros objectivos eram então perseguidos, retornar com especiarias valiosas e estabelecer relações comerciais na Índia — contornando o monopólio sobre o comércio de especiarias, então nas mãos de comerciantes árabes, turcos e italianos.

Foi o próprio descobridor do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama, quem organizou o roteiro da viagem de Cabral, no qual incluiu a indicação de que era conveniente que a frota fizesse uma bordada em direcção ao Atlântico sul mais aberta para ocidente, a fim de evitar os maus ventos.
Desse modo a frota acaba por se afastar bastante da costa africana, talvez intencionalmente, cumprindo uma indicação de Vasco da Gama? Acaba por desembarcar no que ele inicialmente achou tratar-se de uma grande ilha à qual deu o nome de Vera Cruz (Verdadeira Cruz) e que Pêro Vaz de Caminha faz referência.

Explorou o litoral e percebeu que a grande massa de terra era provavelmente um continente, decide ordenar o regresso de uma das naus com o intuito de informar o rei Dom Manuel I da descoberta dessas terras. Como o novo território se encontrava dentro do hemisfério português de acordo com o Tratado de Tordesilhas[ii], reivindicou-o para a Coroa Portuguesa. Havia desembarcado na América do Sul, e as terras que havia reivindicado para o Reino de Portugal mais tarde constituiriam o Brasil. A frota reabasteceu-se e continuou rumo ao leste, com a finalidade de retomar a viagem a caminho da Índia.

Muitos historiadores vêem aqui a explicação para o facto de Pedro Álvares Cabral ter, pelo caminho, acabado por descobrir o Brasil, cuja terra avistou a 22 de Abril, e onde permaneceu até 2 de Maio.
A provar a importância atribuída à descoberta está o facto de Cabral ter decidido fazer regressar uma das naus a Lisboa, para dela dar notícia, através da famosa carta de Pêro Vaz de Caminha.

A armada continuou depois, a dura viagem para sul e leste, contornando o cabo da Boa Esperança e os seus "Adamastores".
A atestar essa dificuldade e dureza está o facto de Cabral ter perdido, numa tempestade no Atlântico Sul, seis ou sete naus, dispersando-se as restantes, que segundo relatos da época se terão reagrupado no Canal de Moçambique antes de prosseguirem para Calecute, na Índia, onde chegaram a 13 de Setembro.

Aí teve de enfrentar uma revolta liderada por árabes, que resultou no massacre de vários portugueses.

Cabral inicialmente obteve sucesso na negociação dos direitos de comercialização das especiarias, mas os comerciantes árabes consideraram o negócio português como uma ameaça ao monopólio deles e provocaram um ataque de muçulmanos e hindus ao entreposto português.

Os portugueses sofreram várias baixas e as suas instalações foram destruídas. Cabral vingou-se do ataque saqueando e queimando a frota árabe e, em seguida, bombardeou a cidade em represália à incapacidade de seu governante em explicar o ocorrido.

De Calecute a expedição rumou para Cochim, outra cidade-estado indiana, onde Cabral fez amizade com o seu governante e carregou os seus navios com especiarias cobiçadas antes de retornar ao reino, chegando a Lisboa apenas a 31 de Julho de 1501, agora já apenas com três embarcações. Apesar da perda de vidas humanas e de navios, a viagem de Cabral foi considerada um sucesso após o seu regresso a Portugal. Os lucros extraordinários resultantes da venda das especiarias reforçaram as finanças da Coroa Portuguesa e ajudaram a lançar as bases de um Império Português, que se estenderia das Américas ao Extremo Oriente.

Cabral foi mais tarde preterido quando uma nova frota foi reunida para estabelecer uma presença mais robusta na Índia, possivelmente como resultado de uma suposta discordância Dom Manuel I. Tendo perdido a preferência do rei, aposentou-se da vida pública, havendo poucos registros sobre a parte final de sua vida.

As suas realizações caíram no esquecimento por mais de 300 anos. Algumas décadas depois da independência do Brasil de Portugal, no século XIX, a reputação de Cabral começou a ser reabilitada pelo Imperador Dom Pedro II do Brasil. Desde então, os historiadores têm discutido se Cabral foi o descobridor do Brasil e se a descoberta foi acidental ou intencional. A primeira dúvida foi resolvida pela observação de que os poucos encontros superficiais feitos por exploradores antes dele mal foram notados e em nada contribuíram para o desenvolvimento e a história futuros da terra que se tornaria o Brasil, única nação das Américas onde a língua oficial é o português. Quanto à segunda questão, nenhum consenso definitivo foi formado e a hipótese de descoberta intencional carece de provas sólidas. Não obstante, embora o seu prestígio tenha sido ofuscado pela fama de outros exploradores da época, Cabral é hoje considerado uma das personalidades mais importantes da Era dos Descobrimentos.


[i] Pedro Álvares Cabral (Belmonte, 1467 ou 1468 – Santarém 1520) foi um fidalgo, navegador e explorador português, creditado como o descobridor do Brasil. Realizou a primeira exploração significativa da costa nordeste da América do Sul, reivindicando-a para Portugal. Embora os detalhes da vida de Cabral sejam poucos, sabe-se que veio de uma família nobre colocada na província e recebeu uma boa educação formal.

[ii] O Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7 de Junho de 1494, foi um tratado celebrado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. Este tratado surgiu na sequência da contestação portuguesa às pretensões da Coroa de Castela, resultantes da viagem de Cristóvão Colombo, que um ano e meio antes chegara ao chamado Novo Mundo, reclamando-o oficialmente para Isabel, a Católica (1474-1504).
Pelo tratado o mundo de então era dividido em dois hemisférios, demarcados pela linha de pólo a pólo que passasse 370 léguas a ocidente de Cabo Verde. A ocidente desse hemisfério, as terras novas pertenciam à Espanha e as descobertas para oriente pertenciam a Portugal.

terça-feira, 7 de março de 2017

A nossa João Coutinho faria hoje, se ainda existisse, precisamente 47 anos.


A Corveta NRP João Coutinho (F475) é a primeira unidade do projecto nacional de seis navios, a classe JOÃO COUTINHO, da autoria do Engenheiro Construtor Naval Rogério Silva Duarte Geral D’Oliveira e da qual fazem parte mais cinco unidades: NRP António Enes (F471), NRP Jacinto Cândido (F476), NRP Pereira d’Eça (F477), NRP Augusto Castilho (F484) e NRP Honório Barreto (F485).
A construção dos três primeiros teve lugar nos estaleiros Blohm & Voss na Alemanha, e os outros três na empresa Nacional Bazan de Construções Navais Militares em Espanha.

A classe BAPTISTA DE ANDRADE, com quatro unidades, pode considerar-se uma evolução, melhor armada e equipada, da classe JOÃO COUTINHO, assim como também a classe DESCUBIERTA, da Marinha de Espanha.
A Corveta NRP João Coutinho, Construída nos estaleiros Blohm & Voss, de Hamburgo, e lançada à água a 2 de Maio de 1969, em Kiel, entrou ao serviço em 7 de Março de 1970. É um navio com 1 480 toneladas de deslocamento, medindo 85 metros de comprimento por 10,3 de boca máxima, com 3,3 metros de calado. A sua propulsão é assegurada por dois motores diesel, desenvolvendo 12 000 cavalos de potência, e por 2 eixos, que garantem ao navio uma velocidade máxima de 22 nós e uma autonomia de 6 250 milhas marítimas, com a marcha estabilizada a 18 nós. Equipada com um radar de navegação e sensores de controlo de tiro e armada com 2 canhões de 76 mm, duas peças AA de 40 mm, assim como com armas anti-submarinas. Dispunha ainda de uma pista para uso de helicópteros ligeiros e,
uma guarnição de 72 marinheiros (7 oficiais 14 sargentos e 51 praças).

Durante a sua vida operacional, fez mais de 60 mil horas de navegação e participou nas mais variadas missões, de natureza militar e não militar, destacando-se entre outras, o serviço no ex-Ultramar, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e a patrulha da costa de Moçambique (1970 – 75), garantindo aí uma presença naval em defesa da soberania de Portugal, assim como a evacuação de cidadãos nacionais na Guiné Bissau em 1998, a colaboração nas operações no mar na sequência da queda da ponte Hintze Ribeiro em 2001 e em duas grandes operações de combate à poluição marítima: do petroleiro Prestige em 2002 e do afundamento do porta-contentores Nautila em 2003. Para além disso, ao longo da sua existência, assegurou inúmeras missões de vigilância do tráfego marítimo, fiscalização da ZEE e busca e salvamento, assim como viagens de instrução.
Tendo como patrono, João de Azevedo Coutinho, um ilustre oficial da nossa Armada, atingindo a patente de vice-almirante. Era natural da vila alentejana de Alter do Chão, distrito de Portalegre, onde nasceu a 3 de Fevereiro de 1865. João Coutinho, foi um político, administrador colonial e militar da Armada Portuguesa, na qual atingiu o posto de contra-almirante honorário, como já foi dito, que aos 25 anos foi um dos heróis africanos que foram proclamados Benemérito da Pátria pela Câmara dos Deputados das Cortes, pelo seu papel nas Campanhas de Conquista e Pacificação das colónias portuguesas de África. Foi deputado, governador-geral da colónia de Moçambique (1905-1906), Ministro da Marinha e Ultramar (1909-1910) e senador monárquico no Congresso da República (1925-1926). Monárquico convicto, foi lugar-tenente do rei D. Manuel II de Portugal quando este se encontrava no exílio após a implantação da República Portuguesa.

Após mais de 44 anos ao serviço da Marinha, o N.R.P. JOÃO COUTINHO cumpriu a sua última missão de vigilância das águas sob jurisdição nacional e participação no dispositivo do serviço de busca e salvamento marítimo, regressando à Base Naval de Lisboa, no Alfeite, no dia 14 de Agosto de 2014.
Como um dos elementos da sua segunda guarnição, Moçambique 1972/1974, não podia deixar de saudar os mais de 2000 marinheiros que ao longo dos seus mais de 44 anos ao serviço da Marinha e de Portugal demonstram permanentemente um excelente desempenho que muito nos honram. Esta saudação é especialmente dirigida a todos os membros da sua 2ª Guarnição (1972/1974) e meus grandes amigos que apesar de muito jovens soubemos, por terras África, cultivar amizades que ainda hoje perduram.

Não podia terminar sem desejar ao seu último Comandante, meu Camarada e amigo, o Cap-Ten Santos Serafim, muitas felicidades pessoais e profissionais.

sexta-feira, 3 de março de 2017

A 4 de Março de 1394, nasce na cidade do Porto o Infante Dom Henrique

A 4 de Março de 1394, nasce na cidade do Porto o Infante Dom Henrique

Infante de Portugal, 5.º filho do rei Dom João I, e da rainha sua mulher, D. Filipa de Lencastre; grão-mestre da Ordem de Cristo, duque de Viseu, fronteiro-mor de Leiria, cavaleiro da Ordem da Jarreteira, de Inglaterra, senhor da Covilhã, de Lagos e de Sagres, do Algarve, de cujo reino foi governador perpetuo. Nasceu no Porto a 4 de Março de 1394, faleceu em Sagres a 13 de Novembro de 1460. Com os irmãos, formou uma das mais esclarecidas proles da história portuguesa, celebrada na literatura romântica como de Ínclita Geração.
Ficando conhecido por o Navegador, foi-o, principalmente, de terra firme. O seu cognome advém da forma como protegeu e instigou as primeiras viagens expansionistas, ficando para sempre ligado a este glorioso período da História de Portugal, os descobrimentos, sendo decisiva a sua ação no Norte de África e no Atlântico.

Dom Henrique era um homem muito poderoso, como o atesta o título de Infante, que usava em detrimento de duque. Seguindo a tradição da época, recebeu uma educação exemplar, mas profundamente religiosa. A sua moral enquadra-se dentro do moralismo puritano inglês, que se revela também nos escritos de seu pai e de seus irmãos, preocupados em emitir juízos morais e em dar conselhos. Também ele deixou conselhos escritos e um breve tratado de teologia.
Tendo-se dedicado ao estudo das Matemáticas, e em especial ao da Cosmografia, quando estas ciências apenas começavam a ser conhecidas na Europa, e que ele fez cultivar em Portugal. Foi devido a esses estudos, às meditadas informações que alcançou de seu irmão Dom Pedro, que viajara na Europa e na Ásia, e à leitura dos escritores antigos, que no seu espírito se formou a certeza de que ao norte do Senegal, então considerado braço do Nilo, existiam povos hereges, que comerciavam entre si. Levar a luz cristã ao espírito desses povos e colher fruto do seu comércio, foi o grandioso plano do infante.

Contava apenas vinte e um anos de idade quando Dom João I determinou armá-lo cavaleiro e aos seus dois irmãos Dom Duarte e Dom Pedro, com as festas públicas de grande solenidade, segundo o costume daqueles tempos. Mas o infante D. Henrique desejava antes receber as armas em verdadeiro cenário de guerra, para onde o arrastava a sua inclinação e valor.
O monarca louvou-o muito, e quando se pensou na tomada de Ceuta, a maior e a mais fortalecida praça de toda a Mauritânia, os três infantes tomaram parte, distinguindo-se na renhida batalha realizada em 21 de Agosto de 1415, sendo e infante D. Henrique quem ainda mais se distinguiu. Como comandante da frota do Porto foi o primeiro que saltou em terra.

No dia 25 do referido mês de Agosto seu pai armou o cavaleiro da ordem de Cristo. Dom João I saiu de Ceuta com a armada em 2 de Setembro seguinte, e pouco dias depois ancorou em Tavira, no meio das jubilosas aclamações do povo. Reunindo ali os seus filhos, declarou querer recompensa-los pelo grande serviço que tinham prestado. Ao príncipe Dom Duarte, como herdeiro da Coroa, nada podia oferecer que fosse de maior valor; mas a Dom Pedro conferiu-lhe o título de duque de Coimbra, e o senhorio de Montemor-o-Velho, Aveiro e outras terras que daí em diante, por constituírem o apanágio da sua categoria, passaram a denominar-se do Infantado; o infante D. Henrique foi feito duque de Viseu e senhor da Covilhã. O título de duque era então desconhecido em Portugal. Foi a conquista de Ceuta que vem ainda mais fixar os vagos desejos do infante D. Henrique de desvendar os mistérios do oceano.
Portugal, efectivamente, formava nessa época, para o ocidente o extremo do mundo conhecido. O mar para o ocidente e para o sul era a região dos profundos misteriosos, povoado de terrores e de visões fantásticas. Foi na expedição de Ceuta, em que ele apenas viu primeiro como seus irmãos o ensejo de praticar brilhantes feitos de armas, e de conquistar dignamente as suas esporas de cavaleiro, que não tardou a achar também estímulo para empresa de maior alcance.

Ceuta era um dos grandes interpostos do comércio entre a Ásia, a África e a Europa. Além de todas as razões que já tinha para tentar estas novas aventuras, não deixou também de actuar no seu espírito a razão comercial. Como de costume foi o infante Dom Pedro o confidente das intenções de seu irmão, e não se esqueceu de auxiliá-las. Em 1416 saiu do reino para viajar, e quando regressou em 1428, trouxe-lhe um tesouro precioso, o livro manuscrito das viagens de Marco Pólo com que o presenteara a senhoria de Veneza. O infante Dom Henrique, em 1416 ou 1419, fundou uma vila no promontório de Sagres, para onde foi viver; começou a encarar as ondas do Oceano Atlântico, e a pensar na forma de intentar por elas as suas expedições descobridoras. Chamou do estrangeiro um cosmógrafo célebre, Jaime de Maiorga, e auxiliado por ele, entregou-se com fervor ao estudo. A vila ficou conhecida por Vila do Infante, e actualmente tem o nome de Sagres.
Dom Henrique estabeleceu ali uma escola de cosmografia e de navegação que foi frequentada pelos cavaleiros da sua casa, e por outros homens que se entusiasmavam pelas suas empresas.

Ainda que não tivessem a forma regular dum curso aqueles estudos, contudo a conversação do infante, de Jaime de Maiorga, e de outros homens célebres que se agrupavam em redor do filho de D. João I, seria altamente instrutiva para os cavaleiros que os escutavam, e foram os mesmos que depois guiaram as caravelas de D. Henrique nos seus empreendimentos.
Na vila, também o infante estabeleceu estaleiros e oficinas de construção naval, e ergueu o primeiro observatório astronómico que existiu em Portugal. Dentro da povoação havia uma capela dedicada a N. Sr.ª da Conceição, e fora a igreja de Santa Catarina, acima do porto onde desembarcavam os que vinham nos navios, e para que os mareantes que ali morressem, fossem enterrados no cemitério ali existente.

Estavam pois reunidos todos os, elementos precisos para se levar a efeito a empresa intentada pelo infante. Recursos não lhe faltavam; como grão-mestre da ordem de Cristo, podia aplicar os imensos rendimentos dessa cavalaria religiosa a expedições em que tanto lucrava a propagação da fé cristã. Armado com as informações que obtivera em Ceuta, decidiu-se a mandar todos os anos alguns navios tentar explorações para o sul.
Começou então a série de descobrimentos, que deviam levar o padrão das quinas aos confins da terra, e imortalizar a memória do infante Dom Henrique. Em 1418 Bartolomeu Perestrelo descobriu a ilha do Porto Santo, cuja capitania lhe foi confiada com permissão de el-rei; e João Gonçalves Zarco acompanhado de Tristão Vaz Teixeira encontrou a Madeira; estas ilhas, contudo, e a dos Açores, está provada já serem conhecidas, tendo sido descobertas no tempo de D. Afonso IV.

Quando os navegadores voltaram ao reino trazendo notícias maravilhosas do que tinham visto. Dom João I e o infante rejubilaram; este por ter conseguido o fim a que aspirava, aquele pela glória e proveito que destes descobrimentos provinham para o país, ilustrando o seu reinado.
D. Henrique, porém, não se limitou a dirigir as navegações, procurou colonizar as ilhas que se iam descobrindo. A Madeira, principalmente, mereceu-lhe os maiores desvelos. Anos depois, em 1432, Gonçalo Velho Cabral, comendador de Almourol, encontrou as ilhas dos Açores. No entretanto, não eram as ilhas do Atlântico que cativavam os cuidados do infante; o que mais o preocupava era esse mar tenebroso, que os mareantes da Idade Média julgavam impossível de transpor. Passar além do cabo Bojador, julgava-se impossível. Vinte tentativas se haviam feito para dobrar esse cabo, mas os navegantes sempre recuavam por terror supersticioso. Finalmente, Dom Henrique armou uma barcha, cuja capitania confiou a Gil Eanes, seu escudeiro, que partiu em 1433 cheio de terror, e voltou sem nada ter adiantado. Aportando às Canárias, retrocedeu com uns cativos, convencido de que ir além, era empresa que Deus puniria com severidade.

Instado pelo infante, tornou a embarcar em 1434, e vencendo o terror, teve a fortuna de dobrar o cabo fatídico. Este facto ficou registado como a data mais memorável da história das nossas descobertas. As navegações continuaram, recomendando sempre o infante aos navegantes nas suas instruções, que estudassem minuciosamente as costas que percorriam, colhessem o maior número possível de informações, e sobretudo não deixassem de procurar saber onde vivia o famoso Prestes João das Índias.
Em 1436 Afonso Gonçalves Baldaia, percorrendo a costa ao sul do Bojador, descobriu o Rio do Ouro, e desembocando na Angra dos Cavalos, continuou navegando para o sul, e chegou à Pedra da Galé.

Como ponto negativo temos de referir a infeliz empresa de Tânger, em que ele foi com seu irmão, o infante Dom Fernando, que por ser ainda criança não pudera acompanhar el-rei seu pai e seus irmãos na tomada de Ceuta. Obtida a licença de el-rei Dom Duarte, partiram ambos os irmãos a 22 de Agosto de 1437 para Tânger, com uma esquadra e um exército bem pouco proporcionado à grandeza da empresa que iam tentar. Foi uma fatalidade, de que resultou o cativeiro e morte do infante Dom Fernando, que ficou conhecido pelo cognome de infante santo. Regressando a Portugal, por ordem do monarca seu irmão, Dom Henrique continuou com os descobrimentos.
Em 1441 Nuno Tristão descobriu o Cabo Branco, em 1443 a ilha de Arguim, onde se estabeleceu uma feitoria, e em 1445 visitou a costa da Senegâmbia, chegando até Palmar. A seguir, Diniz Dias dobra o Cabo Verde; João Fernandes, em 1445, que sendo cativo em Mauritânia, aprendera o árabe, penetra no interior do Sudão e chega ao país dos Tuaregues, sendo o primeiro europeu que explorou o interior do continente negro até Taguor; no ano seguinte, 1446, Álvaro Fernandes descobre a Serra Leoa, e reconhece a ilha de Gorea; em 1457 o veneziano Luís de Cadamosto e o genovês António Nola, ambos ao serviço do infante, descobriram a Gambia; em 1460 Diogo Gomes descobriu o arquipélago de Cabo Verde.

A fama de D. Henrique chegara às nações estrangeiras e muitos homens ávidos de aventuras, vinham pedir-lhe emprego nas suas caravelas. Devotado apaixonadamente às ciências cosmográficas, Dom Henrique foi um dos maiores matemáticos do seu tempo; aplicou utilmente o astrolábio à navegação, e inventou as cartas planas. Quando se reformou a Universidade, em 1431, estando em Lisboa, fez-lhe doação por escritura de 12 de Outubro, dumas casas que comprara na freguesia de S. Tomé.
Em 25 de Março de 1448 fez oferta à mesma Universidade de 12 marcos de prata, anuais, e consignados nos dízimos da ilha da Madeira, para salário da cadeira de teologia.  

O infante D. Henrique deixou um nome glorioso, e à, sua pátria uma herança sublime. Foi um dos vultos mais brilhantes da história da Idade Média, o homem que deve simbolizar para a história a glória dos descobrimentos.
Faleceu em Sagres, conforme já foi dito, no estado de solteiro. O seu corpo foi primeiramente depositado na igreja de Lagos, sendo dali trasladado para o convento da Batalha em 1461, pelo infante Dom Fernando, seu sobrinho, filho de el-rei Dom Duarte, a quem pouco tempo antes havia constituído herdeiro e adoptara como filho.

Sobre o túmulo vê-se a sua estátua de pedra, que em relevo o representa ao natural, vestido de armas brancas. e coroado de coroa real entretecida de folhas de carvalho, e uma rosa no meio; tem nela três escudos: o primeiro com as armas do reino de Portugal e as suas, e nos outros dois as insígnias das duas ordens que professara, de Cristo e da Jarreteira.
Foram sua divisa uns ramos pequenos, e curtos como de carrasco com seus frutos pendentes, e por mote em língua francesa as palavras: Talent de bien faire. Esta divisa também se vê no túmulo, tendo por baixo numa só linha, em todo o comprimento do túmulo, um epitáfio em letra alemã. El-rei Dom Manuel lhe mandou colocar também seu retrato na estátua de mármore sobre a coluna, que divide a porta travessa da igreja de Belém, como fundador da antiga ermida de Nossa Senhora do Restelo, que existiu primeiro naquele local.

Para perpetuar a memória do infante Dom Henrique, erigiu-se em Sagres um monumento modesto. A portaria tem a data de 8 de Abril de 1836, reinando Dona Maria II, e é referendada pelo então ministro do reino, marquês de Sá da Bandeira.
Outro facto que contribuiu para a sua notabilidade foi a divulgação, por Joaquim de Vasconcelos, dos painéis de S. Vicente de Fora, atribuídos a Nuno Gonçalves, onde o artista português Columbano identificara uma das personagens como sendo o Infante. O homem do chapeirão aparece também no manuscrito da Crónica da Guiné, de Zurara, conservado na Biblioteca de Paris, o que reforça esta ideia. Assim, o Infante Dom Henrique passa a ser uma das personagens de eleição do nacionalismo português, que dominou durante o Estado Novo, representando a coragem, o dinamismo e o espírito empreendedor do povo português.

De facto, muito daquilo que sabemos desta personagem enigmática foi-nos deixado por Gomes Eanes de Zurara, na Crónica da Guiné, onde o Infante é exaltado de forma quase sobrenatural ("príncipe pouco menos que divinal"). O cronista traça o seu retrato psicológico dando grande ênfase às suas qualidades virtuosas e pias, como a castidade e o facto de não beber vinho. Segundo o seu relato, Dom Henrique não era avarento, era um trabalhador aplicado, que para dedicar o tempo necessário aos seus projetos suprimia as horas de repouso noturno. O seu feitio obstinado revela-se na teimosia em manter Ceuta, ainda que o preço a pagar tenha sido a liberdade do seu irmão, Dom Fernando, depois cognominado popularmente de "Infante Santo".