sábado, 30 de novembro de 2019

Efeméride. A transferência da corte portuguesa para o Brasil – 1807/1808


No dia 30 de Novembro de 1807, Junot chegou a Lisboa com parte do seu exército, limitando-se a ver ao longe, no horizonte, os últimos navios da Armada portuguesa e inglesa que levavam para outras terras “a nossa soberania”. Tinha começado a I Invasão Francesa, das três que Napoleão havia de arquitectar para tentar ocupar o território português.

A 22 de Janeiro de 1808 — Chegada da Família Real ao Brasil, após fuga ocasionada pela ocupação de Portugal pelas tropas de Napoleão.

Após uma viagem de 55 dias por mar, a família real aporta em São Salvador da Baía.

A transferência da corte portuguesa para o Brasil foi o episódio da história de Portugal e da história do Brasil em que a família real portuguesa, a sua corte de nobres, servos e demais empregados domésticos, num total de aproximadamente 15 000 pessoas e inclusive uma biblioteca com mais de 60.000 livros, se radicaram no Brasil, entre 1808 e 1821.

A capital do Reino de Portugal foi estabelecida na capital do Estado do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro, registando-se o que alguns historiadores denominam de "inversão metropolitana", ou seja, da colônia passou a ser exercida a soberania e a governação do império ultramarino português. Pela primeira e única vez na história uma colônia passava a sediar uma corte europeia.

Assim sendo, em finais de Novembro de 1807 a família real portuguesa realiza uma apressada saída de Lisboa para escapar aos invasores franceses e chega ao Brasil a 22 Janeiro do ano seguinte.

Viagem atribulada, rodeada de alguns perigos. Parece que a corte teve de se alimentar da comida de bordo infestada por insetos, foram atacados por uma praga de piolhos e também sofreram os efeitos de uma tempestade.

Apesar de todas as dificuldades conseguiram chegar ao seu destino.

A partida tinha tido lugar em pleno inverno e a chegada ao Brasil aconteceu em pleno verão do hemisfério sul…

A família real vai manter-se no Brasil até muito depois da última invasão francesa, e o regresso vai ficar marcado pela independência da colónia e por uma guerra civil que vai opor dois príncipes irmãos, Dom Pedro e Dom Miguel, numa sanguinária guerra civil[i].

Estando iminente a invasão francesa, preparou-se com a maior urgência a retirada da Família Real portuguesa para a sua maior colónia de então, o Brasil. A 22 de Outubro de 1807 era assinada uma convenção secreta entre o nosso Príncipe Regente Dom João e o rei inglês Jorge III. Esta convenção estabelecia a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Estava ainda prevista a ocupação da ilha da Madeira pelas tropas inglesas, assim como o compromisso de fazermos um tratado de comércio com a Inglaterra, logo após o Governo português se instalar no Brasil.

A 27 de Outubro de 1807, diversos representantes franceses e espanhóis assinaram o tratado de Fontainebleau[ii], onde ficou estabelecido que o território português seria dividido entre a França e a Espanha. 

Sem terem conhecimento deste tratado franco-espanhol, os nossos representantes em Paris e Madrid foram expulsos, pois Napoleão já havia decidido invadir Portugal em virtude de Dom João não cumprir as cláusulas do ultimatum. Enquanto Junot marchava com as suas tropas em direcção a Lisboa, chegava ao rio Tejo uma armada inglesa sob o comando do almirante Sydney Smith com a missão de escoltar a Família Real portuguesa para o Brasil. O embarque deu-se a 27 de Novembro de 1807, mas os navios só zarparam no dia 29, em virtude de uma tempestade no mar.

 No dia 30 de Novembro de 1807, Junot chegou a Lisboa com parte do seu exército, limitando-se a ver ao longe, no horizonte, os últimos navios da Armada portuguesa e inglesa que levavam para outras terras “a nossa soberania”. Tinha começado a I Invasão Francesa, das três que Napoleão havia de arquitectar para tentar ocupar o território português.

Após ter assinado a Convenção secreta de 1807 com Jorge III de Inglaterra, o Príncipe Regente Dom João decide-se pela transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Naquela Convenção, assinada a 22 de Outubro em Londres, ratificada em Portugal a 8 de Novembro e pela Grã-Bretanha a 19 de Dezembro de 1807, também se decidia a condição das tropas de Sua Majestade na Ilha da Madeira.

Acredita-se que Dom João não tivesse conhecimento da existência do Tratado de Fontainebleau e do seu conteúdo, pelo qual a Família Real portuguesa deixava de reinar em Portugal e previa o desmembramento do reino.

Dom João acabaria por saber, in extremis, as intenções de Napoleão. O imperador, contando com o rápido avanço de Junot e ignorando que este se visse forçado a atrasar a sua chegada a Lisboa, ordenou que se publicasse no jornal francês Moniteur, de 11 de Novembro, o famoso decreto de 27 de Outubro pelo qual a Casa Real Portuguesa deixaria de reinar, imaginando que apenas seria conhecido em Portugal, depois da entrada do seu exército em Lisboa.

 “Aquele decreto, porém, chegou rapidamente ao conhecimento do governo britânico. O ministro de Portugal em Londres, Dom Domingos de Sousa Coutinho, receando que as suas comunicações atingissem o seu destino tardiamente, já depois da entrada em Lisboa das tropas francesas, expediu um correio extraordinário com um exemplar do Le Moniteur para o Príncipe Regente.

 Ao ter conhecimento deste facto o governo inglês deu instruções a Sir Sidney Smith, que se encontrava com a sua esquadra na entrada do Tejo, para escoltar a Família Real, no caso de esta pretender abandonar Lisboa. Por um feliz acaso o correio demorou na sua viagem apenas quatro dias o que permitiu salvar o Príncipe e a sua Família da sorte que os esperava.”

Esta sucessão dos acontecimentos, permitiu a Dom João encetar vários esforços determinando que “partiriam todos os membros da família real, os ministros de Estado e os empregados do Paço, sem excepção; decidiu também que a sede do governo do Paço, se estabeleceria provisoriamente no Rio de Janeiro, ficando o território português sujeito a uma regência de cinco fidalgos, que nomeou, a qual governaria em seu nome com os poderes que costumavam conceder ás regências os antigos reis de Portugal quando iam pelejar na Africa.” 

Esta decisão foi, contudo, bem-sucedida na sua execução, uma vez que o grande objectivo de evitar o encontro da Família Real com Junot foi conseguido. No entanto, este foi recebido amistosamente por ordem do Príncipe Regente. “Apenas foi conhecida em Lisboa a entrada das tropas francesas em território nacional, o Conselheiro de Estado, Dom José de Noronha, Marquês de Angeja, sugeriu ao Príncipe a necessidade de mandar alguém ao encontro de Junot, a fim de se saber da boca do general as suas intenções.

 O conselho foi aceite, não demorando o Príncipe a dar-lhe execução recaindo a escolha em José de Oliveira Barreto, negociante na praça de Lisboa, com estabelecimento na Calçada da Estrela, possivelmente da intimidade do General, durante a sua embaixada junto do Príncipe Regente.

 Simultaneamente, foi encarregado pelo Governo o coronel Carlos Frederico Lecor, um dos oficiais mais distintos do exército português, de observar as posições e movimentos das divisões de Junot.”

Segundo José Acúrsio das Neves, a esquadra portuguesa era composta de oito naus, três fragatas, três brigues, uma escuna e o seu comandante-em-chefe era o Vice-Almirante. Este número de navios não é unânime para todos os autores onde o assunto é debatido.

A Família Real dividia-se pelas diversas naus que constituíam a esquadra, o Príncipe Regente seguiu na Príncipe Real, Dona Carlota Joaquina, juntamente com as suas filhas e Dom Miguel, com apenas 5 anos, embarcaram na Rainha de Portugal, as irmãs da Rainha seguiram na nau Príncipe do Brasil.

 Como é defendido por vários autores, embarcaram nos navios disponíveis cerca de 15 000 pessoas, representando todas as classes, “Os fidalgos, os ministros, os conselheiros, e tantos outros [...]: alguns regimentos de linha acompanharam.”  Rumavam agora para a maior e mais rica colónia portuguesa - O Brasil. Por ironia do destino, as riquezas, nomeadamente o ouro, que tinham vindo do Brasil para financiar as grandes construções nacionais, como o Monumento de Mafra, Aqueduto das Águas Livres, etc..., eram como que devolvidos à colónia, pois as classes mais abastadas faziam-se acompanhar dos seus bens, ouro, prata, pedras preciosas, obras de arte, livros, tudo embarcava. “[...] em mais de 80 milhões de cruzados orçam alguns o dinheiro que partiu para o Brasil, ficando no régio erário apenas 10.000 cruzados, sem que se houvessem pago os empregados e credores do Estado.” 

 Se o embarque de tanta gente e a partida da esquadra não foram pacíficas, a viagem também não se pode dizer que foi calma, pois no dia 7 de Dezembro, uma tempestade dispersou a frota na rota do Rio de Janeiro. Alguns dos navios foram “parar” à Baía a 22 de Janeiro de 1808.

Os relatos que nos chegam da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro transparecem o júbilo do povo e o empenhamento das entidades locais, nomeadamente o empenho do último Vice-Rei do Brasil, Dom Marcos de Noronha e Brito, oitavo conde dos Arcos, que se preparava para entregar o poder “a governança” ao Seu Senhor. Antes de desembarcar no Rio, Dom João passou pela Baía.



[i] A Guerra Civil Portuguesa, também conhecida como Guerras Liberais, Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois Irmãos, foi a guerra civil travada em Portugal entre liberais constitucionalistas e absolutistas sobre a sucessão real, que durou de 1828 a 1834.

[ii] Acordo assinado em 1807, entre a França e a Espanha, e aprovado por Napoleão Bonaparte, onde se estabelecia a divisão de Portugal no reino da Lusitânia (Entre-Douro-e-Minho), destinado à rainha da Etrúria, e no reino dos Algarves (Alentejo e Algarve), concedido a um ministro de Carlos IV. Uma convenção militar da mesma data estabelecia a entrada em Espanha de 28 000 soldados franceses com o objectido de seguirem até Lisboa. Este tratado não chegou a ser executado nem divulgado. O objetivo de Napoleão era o de ocupar Espanha e exercer represálias contra Portugal por este não ter aderido ao bloqueio continental que pretendia fechar os portos europeus à Inglaterra. A recusa de Portugal, tradicional aliado inglês, terá motivado a primeira invasão francesa.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Efeméride de 11 de Novembro – Nascimento Dom Sancho I

Sancho I Nasceu em Coimbra a 11 de Novembro de 1154 – morrendo na mesma cidade a 26 de Março de 1211, apelidado de Sancho, o Povoador, foi o 2º Rei de Portugal de 1185 até à sua morte. Era filho do rei Afonso I (Afonso Henriques) de Portugal e sua esposa Mafalda de Saboia. Promoveu e apadrinhou o povoamento dos territórios do país — destacando-se a fundação da cidade da Guarda, em 1199, e a atribuição de cartas de foral na Beira e em Trás-os-Montes: Gouveia (1186), Covilhã (1186), Viseu (1187), Bragança (1187), São Vicente da Beira (1195) ou Belmonte (1199). Almada (1190). Povoando assim áreas remotas do reino, em particular com imigrantes da Flandres e da Borgonha.

Quinto filho do monarca Afonso Henriques (1109 – 1185), foi batizado com o nome de Martinho, por ter nascido no dia do santo Martinho de Tours[i], e não estaria preparado para reinar, estaria destinado a seguir a vida eclesiástica? No entanto, a morte do seu irmão mais velho, D. Henrique Afonso (1147-1155), quando Martinho contava apenas três anos de idade, levou à alteração da sua onomástica para um nome mais hispânico, ficando desde então a chamar-se Sancho Afonso.

Em 15 de Agosto de 1170 Dom Sancho foi armado cavaleiro pelo seu pai logo após o acidente de Dom Afonso Henriques em Badajoz[ii] e tornou-se seu braço direito, quer do ponto de vista militar, quer do ponto de vista administrativo. Nestes primeiros tempos de Portugal enquanto país independente, muitos eram os inimigos da coroa, a começar pelo Reino de Leão que havia controlado Portugal até então. Para além do mais, a Santa Sé demorava em consagrar a independência de Portugal com a sua bênção. Para compensar estas falhas, Portugal procurou aliados dentro da Península Ibérica, em particular o reino de Aragão, um inimigo tradicional de Castela, que se tornou no primeiro país a reconhecer Portugal. O acordo foi firmado 1174 pelo casamento de Sancho, então príncipe herdeiro, com a infanta Dulce, irmã mais nova do rei Afonso II de Aragão, tendo como descendentes legítimos: Teresa, Sancho, Afonso (Dom Afonso II),Pedro, Fernando, Henrique, Raimundo, Mafalda, Branca, Berengária.

No ano de 1178, Dom Sancho faz uma importante expedição contra mouros, confrontando-os perto de Sevilha e do rio Guadalquivir, e ganha-lhes a batalha. Com essa ação, expulsa assim a possibilidade deles entrarem em território português.

Com a morte de Dom Afonso Henriques, em 1185, Dom Sancho I torna-se no segundo rei de Portugal. Tendo sido coroado na Sé de Coimbra a 6 de Dezembro de 1185, manteve essa cidade como o centro do seu reino. Dom Sancho rapidamente deu por terminadas as guerras fronteiriças pela posse da Galiza e dedicou todos os seus esforços a combater os Mouros localizados a Sul. Após aproveitar a passagem de alguns cruzados a caminho da Terra Santa conquistou a praça do Alvor, para mais tarde com nova passagem pela costa portuguesa de novos cruzados, terceira cruzada, na primavera de 1189, se seguir a conquista de Silves, um importante centro administrativo e económico do Sul, com população estimada em 20.000 pessoas.

Dom Sancho ordenou então a fortificação da cidade e a construção do castelo que ainda hoje pode ser visitado. A posse de Silves foi efémera já que em 1190 Abu YusufYa'qub al-Mansur cercou a cidade com um exército e com outro atacou Torres Novas, que apenas conseguiu resistir durante dez dias, devido ao rei de Leão e Castela ameaçar de novo o Norte.

Dom Sancho I dedicou muito do seu esforço governativo à organização política, administrativa e económica do seu reino. Acumulou um razoável tesouro real e incentivou e fomentou a criação de indústrias, bem como a classe média de comerciantes e mercadores.

Com as zonas de fronteira pouco povoadas ficando à mercê de possíveis invasores, Dom Sancho I procurou atrair famílias para lá. Com essa intenção concedeu regalias a quem aí se quisesse instalar.

Essas regalias podiam ser, por exemplo, terras para cultivo, pastagens, dispensa de pagamento de alguns impostos, perdão de crimes, etc. Tudo isto era escrito numa Carta de Foral, que também incluía os deveres da população para com o rei. Ao todo Dom Sancho I assinou cinquenta e oito cartas de foral, o que lhe valeu o cognome de “O Povoador”.

O rei é também lembrado pelo seu gosto pelas artes e literatura, tendo deixado ele próprio vários volumes com poemas. Neste reinado sabe-se que alguns portugueses frequentaram universidades estrangeiras e que um grupo de juristas conhecia o Direito que se ministrava na escola de Bolonha. Em 1192 concedeu ao mosteiro de Santa Cruz 400 morabitinos, primeira moeda de ouro a ser cunhada em Portugal já durante o reinado de Dom Sancho I, para que se mantivessem em França os monges que lá quisessem estudar.

Outorgou o seu primeiro testamento em 1188/89 no qual doou a sua esposa os rendimentos de Alenquer, terras do Vouga, Santa Maria da Feira e do Porto. O seu último testamento foi lavrado em Outubro de 1209 quase dois anos antes de sua morte. O seu túmulo encontra-se no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, ao lado do túmulo do pai.



[i] São Martinho, ou Martinho de Tours, nasceu em cerca de 316 na antiga cidade de Savaria na Panónia, uma antiga província na fronteira do Império Romano, na atual Hungria. Filho de um comandante romano, cresceu na região de Pavia, em Itália, no seio de uma família pagã. Criado para seguir a carreira militar, foi convocado para o exército romano quando tinha quinze anos, viajando por todo o Império Romano do Ocidente.
Apesar de ter recebido uma educação pagã, foi em adolescente que Martinho descobriu o Cristianismo. Mas foi só mais tarde, em 356, depois de ter abandonado o exército que foi batizado. Tornou-se discípulo de Santo Hilário, bispo de Poitiers (na zona oeste da atual França), que o ordenou diácono e presbítero, regressando de seguida a Panónia, onde converteu a mãe. Mudou-se depois para Milão, de onde terá sido expulso juntamente com Santo Hilário. Isolado, terá passado algum tempo na ilha da Galinária, ao largo da costa italiana.
[ii]Após um acidente que incapacitou o rei Dom Afonso Henriques, durante a Batalha de Badajoz, por volta de 1170, o segundo filho do monarca D. Afonso Henriques, começou a participar mais activamente nas reuniões da cúria e na administração pública. Com a morte do seu pai em 1185 foi solenemente aclamado rei em Coimbra.


domingo, 10 de novembro de 2019

Efeméride de 10 de Novembro 1483 – Nasce Martinho Lutero

Martinho Lutero (1483-1546) foi um sacerdote católico alemão, o principal personagem da Reforma Protestante realizada na Europa no século XVI, que contestava o poderio da Igreja Católica, o comércio de cargos eclesiásticos, a venda de dispensas, de indulgências e de relíquias sagradas.



Martinho Lutero nasceu em Eisleben, Saxônia-Turíngia, na Alemanha, no dia 10 de Novembro de 1483. Filho de um mineiro que chegou a ser conselheiro na pequena cidade de Mansfeld foi criado em um ambiente religioso de violenta austeridade com histórias de demônios e feiticeiros, superstições que marcaram sua infância.



Com 16 anos, Martinho Lutero ingressou na Universidade de Erfurt, onde estudou Artes, Leis, Línguas e Filosofia. Com 18 anos já se tornara um brilhante aluno de advocacia, mas em 1505 decidiu entrar no Mosteiro Agostiniano de Erfurt. Em 1507 ordenou-se e prosseguiu a sua formação na Universidade de Wittenberg.



Em 1511, Martinho Lutero visitou Roma e ficou chocado com a frivolidade da cúria romana. Em 1512 obteve o doutoramento em Teologia. Neste mesmo ano foi eleito cônego do convento de Wittenberg. Os anos seguintes foram dedicados às atividades pastorais e ao ensino de Teologia, enquanto amadurecia a sua doutrina sobre a “justificação pela fé”.



No início do século XVI, não existia um Estado nacional alemão, a região estava dividida em vários estados, governados por príncipes cuja subordinação ao Imperador do Sacro Império Romano Germânico (ligado ao papa) era meramente nominal. Os assuntos gerais eram tratados pela Dieta Imperial – espécie de conselho formado pelos príncipes.



Os príncipes alemães não podiam dispensar a Igreja, mas tornava-se cada vez mais difícil viver sob a sua tutela. Todas as taxas arrecadadas pela Igreja fluíam para Roma. Nos Estados alemães, apesar da falta de unidade política, vários soberanos já não toleravam qualquer interferência externa em sua jurisdição.



A solução seria a formação de uma igreja nacional, que remodelasse os preceitos do cristianismo. A Alemanha estava pronta para uma reforma.  



Em 1517, o sistema teológico de Lutero ainda não estava completo. Fazia conferências na Universidade de Wittenberg, fundada pelo seu amigo Frederico I, príncipe da Saxônia, quando chegou à região um frade vendendo indulgências, que permitia a comutação parcial de penitências em troca do pagamento de uma soma em dinheiro.



Revoltado com a exploração da ignorância popular, feita pelo frei em nome do papa Leão X, Lutero elaborou uma série de "95 teses contra a venda de indulgências" e afixou na porta da Igreja, entre tantos outros avisos, duas grandes folhas de papel. Era 31 de outubro de 1517.  

Em pouco tempo tornou-se claro que as teses de Lutero exprimiam os sentimentos de boa parte da população e dos príncipes que mantinham relações tensas com Roma e com o imperador. O sucesso alcançado encorajou Lutero a enviar ao papa um documento no qual sustentava que as indulgências não haviam sido instituídas por Cristo.



O papa ordenou retratação de Lutero, mas este, sob a proteção do príncipe Frederico da Saxônia, recusou o pedido de retratação e deu início a uma campanha aberta dentro da própria Igreja.



Em 1529, Carlos V[i] e os príncipes católicos aprovaram um decreto que aumentava a pressão dos estados católicos contra Lutero e seus seguidores. O protesto contra essa situação criou a denominação “protestante”.

Luteranismo - Tratados


Em 1520, Lutero redigiu três célebres tratados que estabeleciam a base do luteranismo e o início da Reforma: “A Nobreza Cristã da Nação Alemã”, “Da Servidão Babilônica da Igreja” e “Da Liberdade de um Cristão”. Neles, Lutero desenvolveu a doutrina que afirma que a salvação do homem é feita apenas pela “justificação da fé”. Jejuns, peregrinações e sacramentos – ou a intercessão de padres e santo – não têm qualquer efeito para a redenção do homem.



Lutero procurou estabelecer uma igreja independente, embora conservasse muitos dos elementos da doutrina católica. Alterou o cerimonial da missa e substituiu o latim pelo alemão nos serviços religiosos. Rejeitou todas as hierarquias eclesiásticas, desde os padres, até ao papa. O homem comum poderia comunicar-se diretamente com Deus.



Lutero renegou a interpretação oficial da Bíblia, ou seja, cada indivíduo poderia interpretar livremente as Sagradas Escrituras. Os sacerdotes obtiveram permissão para contrair o matrimônio. Dos sacramentos, conservou o batismo, o matrimônio e a eucaristia.



Neste mesmo ano, Leão X promulgou uma bula em que dava sessenta dias para uma completa retratação. Lutero queimou publicamente a bula papal e, no ano seguinte, foi excomungado pela Igreja.



Em 1521, Lutero foi obrigado a se refugiar no castelo do príncipe Frederico. Ocupou-se em traduzir a Bíblia para o alemão. Em 1525, casou-se com a ex-freira Katherina Von Bora, rejeitando a imposição do celibato aos clérigos.



Na formulação das suas doutrinas, Lutero foi ajudado por Felipe Melanchton, um professor grego da Universidade de Wittenberg que redigiu a “Confissão de Augsburgo” (1530) que foi aceita como credo luterano. O movimento Luterano teve consequências que revolucionaram a sociedade da época e abriu caminho para rebeliões políticas e sociais.



A forma de protestantismo proclamada por Lutero, além da Alemanha, chegou até a Suécia, Dinamarca e aos Países Baixos. Várias doutrinas seguiram os seus princípios, criando igrejas nacionais, como o Anglicanismo na Inglaterra, o Calvinismo na Suíça, além de diversas ramificações.



A própria Igreja Católica, a partir do Concílio de Trento (1545-1563), procederia a sua própria reforma que ficou conhecida com o nome de Contra Reforma.

Martinho Lutero faleceu em Eisleben, Alemanha no castelo de Frederico I, Príncipe da Saxônia, no dia 18 de Fevereiro de 1546.

Frases de Martinho Lutero


·       A mentira é como uma bola de neve; quanto mais rola, tanto mais aumenta.

·       Quem não for belo aos vinte anos, forte aos trinta, esperto aos quarenta e rico aos cinquenta, não pode esperar ser tudo isso depois.

·       A medicina cria pessoas doentes, a matemática, pessoas tristes, e a teologia, pecadores.

·       O coração do homem é como um moinho que trabalha sem parar. Se não há nada para moer, corre o risco de se triturar a si mesmo.

·       Nada se esquece mais lentamente que uma ofensa e nada mais rápido que um favor.

·       Os que amam profundamente, jamais envelhecem; podem morrer de velhice, mas morrem jovens.

·       Uma masmorra com Cristo é um trono, e um trono sem Cristo é um inferno.



[i] Isabel de Portugal foi a esposa de Carlos V & I e Rainha Consorte da Espanha de 1526 até sua morte, e também Imperatriz Consorte do Sacro Império Romano-Germânico a partir de 1530. Era filha do rei Manuel I de Portugal e sua esposa Maria de Aragão e Castela. Dona Isabel era irmã dos reis João III e de Henrique I.

sábado, 9 de novembro de 2019

Efeméride de 9 de Novembro de 1989 – Queda do muro de Berlim

A de 9 de Novembro de 1989 o Muro de Berlim começou a ser derrubado depois de 28 anos de existência. O evento é conhecido como a queda do muro. Antes da sua queda, houve grandes manifestações em que, entre outras coisas, se exigia a livre circulação de pessoas com a liberdade de viajar. Além disto, houve um enorme fluxo de refugiados para Ocidente, pelas embaixadas da RFA, principalmente em Praga e Varsóvia, e pela fronteira recém-aberta entre a Hungria e a Áustria, perto do lago de Neusiedl.

A razão principal e decisiva para a queda do muro foi um mal-entendido dentro do próprio governo do RDA. Na tarde do dia 9 de Novembro houve uma conferência de imprensa, transmitida ao vivo na televisão alemã-oriental. Günter Schabowski, membro do Politburo do SED, anunciou uma decisão do conselho dos ministros de abolir imediatamente e completamente as restrições de viagens ao Oeste. Esta decisão deveria ser publicada só no dia seguinte e somente nessa altura divulgada, para permitir antecipadamente que a informação chega-se a todas as agências governamentais.

Pouco depois deste anúncio começaram a surgir notícias nas rádios e televisões ocidentais sobre a abertura do Muro. Milhares de pessoas dirigiram-se aos postos fronteiriços exigindo a abertura da fronteira. Nesta altura, nem as unidades militares, nem as unidades de controlo de passaportes haviam recebido qualquer instrução a este respeito. Com a enorme pressão e manifestação de força da multidão, e porque os guardas da fronteira não sabiam o que fazer, a fronteira acabou por se abrir no posto de Bornholmer Strasse, às 23 h, mais tarde noutras partes do centro de Berlim, assim como na fronteira ocidental.

Os cidadãos do RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitos cafés perto do Muro espontaneamente serviram cerveja gratuita, houve uma grande celebração na Rua Kurfürstendamm, e pessoas que nunca se tinham visto antes cumprimentavam-se. Cidadãos de Berlim Ocidental subiram o muro e passaram para as Portas de Brandenburgo, que até então não eram acessíveis aos ocidentais. O Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento, e os deputados espontaneamente cantaram o hino nacional da Alemanha.

Estava assim consumada a queda de um muro que durante 28 anos tinha separado não só familiares como toda uma nação.

O Muro de Berlim (em alemão Berliner Mauer) foi uma barreira física construída pela República Democrática Alemã (Alemanha Oriental - socialista) durante a Guerra Fria, que circundava toda a Berlim Ocidental (capitalista), separando-a da Alemanha Oriental (socialista), incluindo Berlim Oriental.

Este muro, além de dividir a cidade de Berlim ao meio, simbolizava a divisão do mundo em dois blocos ou partes: República Federal da Alemanha (RFA), que era constituído pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos; e a República Democrática Alemã (RDA), constituído pelos países socialistas sob batuta do regime soviético.

 Construído na madrugada de 13 de Agosto de 1961, dele faziam parte 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes metálicas electrificadas com alarme e 255 pistas de para cães de guarda. Este muro era patrulhado por militares da Alemanha Oriental Socialista com ordens de atirar para matar (a célebre Schießbefehl ou "Ordem 101") os que tentassem escapar, o que provocou, segundo dados do regime socialista, a morte de 80 pessoas, 112 feridos e milhares aprisionados nas diversas tentativas de fuga para o ocidente, além de separar, até à sua queda, dezenas de milhares de famílias berlinenses que ficaram divididas e sem contato algum. Os números de mortos, feridos e presos é controverso pois os dados oficiais do fechado regime socialista são contestados por diversos órgãos internacionais de Direitos Humanos.

A distinta e muito mais longa fronteira interna alemã demarcava a fronteira entre a Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental. Ambas as fronteiras passaram a simbolizar a chamada "cortina de ferro" entre a Europa Ocidental e o Bloco de Leste.

Antes da construção do Muro, 3,5 milhões de alemães orientais tinham evitado as restrições de emigração do Leste socialista e fugiram para a Alemanha Ocidental, muitos ao longo da fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental. Durante sua existência, entre 1961 e 1989, o Muro quase parou todos os movimentos de emigração e separou a Alemanha Oriental de Berlim Ocidental por mais de um quarto de século.

Durante uma onda revolucionária de libertação da tutela de Moscovo que varreu o Bloco de Leste, o governo da Alemanha Oriental anunciou em 9 de Novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios civis, que todos os cidadãos da RDA poderiam visitar a Alemanha Ocidental Capitalista e Berlim Ocidental. Multidões de alemães orientais subiram e atravessaram o Muro, juntando-se aos alemães ocidentais do outro lado, numa atmosfera de celebração. Ao longo das semanas seguintes, partes do Muro foram destruídas por um público eufórico e por caçadores de souvenirs. Mais tarde, equipamentos industriais foram usados para remover quase o todo da estrutura. A queda do Muro de Berlim abriu o caminho para a reunificação alemã que foi formalmente celebrada em 3 de outubro de 1990. Muitos apontam este momento também como o fim da Guerra Fria. O governo de Berlim incentiva a visita do muro derrubado, tendo preparado a reconstrução de partes do muro. Além da reconstrução de algumas partes, está marcado no chão o percurso que o muro fazia quando estava erguido.