Infante de
Portugal, 5.º filho do rei Dom João I, e da rainha sua mulher, Dona Filipa de
Lencastre; grão-mestre da Ordem de Cristo, duque de Viseu, fronteiro-mor de
Leiria, cavaleiro da Ordem da Jarreteira, de Inglaterra, senhor da Covilhã, de
Lagos e de Sagres, do Algarve, de cujo reino foi governador perpetuo. Nasceu no
Porto a 4 de Março de 1394, faleceu em Sagres a 13 de Novembro de 1460. Com os
irmãos, formou uma das mais esclarecidas proles da história portuguesa,
celebrada na literatura romântica como de Ínclita Geração.
Ficando
conhecido por o Navegador, foi-o, principalmente, de terra firme. O seu cognome
advém da forma como protegeu e instigou as primeiras viagens expansionistas,
ficando para sempre ligado a este glorioso período da História de Portugal, os
descobrimentos, sendo decisiva a sua ação no Norte de África e no Atlântico.
Dom Henrique
era um homem muito poderoso, como o atesta o título de Infante, que usava em
detrimento de duque. Seguindo a tradição da época, recebeu uma educação
exemplar, mas profundamente religiosa. A sua moral enquadra-se dentro do
moralismo puritano inglês, que se revela também nos escritos de seu pai e de
seus irmãos, preocupados em emitir juízos morais e em dar conselhos. Também ele
deixou conselhos escritos e um breve tratado de teologia.
Tendo-se
dedicado ao estudo das Matemáticas, e em especial ao da Cosmografia, quando
estas ciências apenas começavam a ser conhecidas na Europa, e que ele fez cultivar
em Portugal. Foi devido a esses estudos, às meditadas informações que alcançou
de seu irmão Dom Pedro, que viajara na Europa e na Ásia, e à leitura dos
escritores antigos, que no seu espírito se formou a certeza de que ao norte do
Senegal, então considerado braço do Nilo, existiam povos hereges, que
comerciavam entre si. Levar a luz cristã ao espírito desses povos e colher
fruto do seu comércio, foi o grandioso plano do infante.
Contava apenas
vinte e um anos de idade quando Dom João I determinou armá-lo cavaleiro e aos
seus dois irmãos Dom Duarte e Dom Pedro, com as festas públicas de grande
solenidade, segundo o costume daqueles tempos. Mas o infante Dom Henrique
desejava antes receber as armas em verdadeiro cenário de guerra, para onde o
arrastava a sua inclinação e valor.
O monarca
louvou-o muito, e quando se pensou na tomada de Ceuta, a maior e a mais
fortalecida praça de toda a Mauritânia, os três infantes tomaram parte,
distinguindo-se na renhida batalha realizada em 21 de Agosto de 1415, sendo e
infante Dom Henrique quem ainda mais se distinguiu. Como comandante da frota do
Porto foi o primeiro que saltou em terra.
No dia 25 do
referido mês de Agosto seu pai armou-o cavaleiro da ordem de Cristo. Dom João I
saiu de Ceuta com a armada em 2 de Setembro seguinte, e pouco dias depois
ancorou em Tavira, no meio das jubilosas aclamações do povo. Reunindo ali os
seus filhos, declarou querer recompensa-los pelo grande serviço que tinham
prestado. Ao príncipe Dom Duarte, como herdeiro da Coroa, nada podia oferecer
que fosse de maior valor; mas a Dom Pedro conferiu-lhe o título de duque de
Coimbra, e o senhorio de Montemor-o-Velho, Aveiro e outras terras que daí em
diante, por constituírem o apanágio da sua categoria, passaram a denominar-se
do Infantado; o infante D. Henrique foi feito duque de Viseu e senhor da
Covilhã. O título de duque era então desconhecido em Portugal. Foi a conquista
de Ceuta que vem ainda mais fixar os vagos desejos do infante Dom Henrique de
desvendar os mistérios do oceano.
Portugal,
efectivamente, formava nessa época, para o ocidente o extremo do mundo
conhecido. O mar para o ocidente e para o sul era a região dos profundos mistérios,
povoado de terrores e de visões fantásticas. Foi na expedição de Ceuta, em que
ele apenas viu primeiro como seus irmãos o ensejo de praticar brilhantes feitos
de armas, e de conquistar dignamente as suas esporas de cavaleiro, que não
tardou a achar também estímulo para empresa de maior alcance.
Ceuta era um dos
grandes interpostos do comércio entre a Ásia, a África e a Europa. Além de todas
as razões que já tinha para tentar estas novas aventuras, não deixou também de
actuar no seu espírito a razão comercial. Como de costume foi o infante Dom
Pedro o confidente das intenções de seu irmão, e não se esqueceu de
auxiliá-las. Em 1416 saiu do reino para viajar, e quando regressou em 1428,
trouxe-lhe um tesouro precioso, o livro manuscrito das viagens de Marco Pólo
com que o presenteara a senhoria de Veneza. O infante Dom Henrique, em 1416 ou
1419, fundou uma vila no promontório de Sagres, para onde foi viver; começou a
encarar as ondas do Oceano Atlântico, e a pensar na forma de intentar por elas
as suas expedições descobridoras. Chamou do estrangeiro um cosmógrafo célebre,
Jaime de Maiorga, e auxiliado por ele, entregou-se com fervor ao estudo. A vila
ficou conhecida por Vila do Infante, e actualmente tem o nome de Sagres.
Dom Henrique
estabeleceu ali uma escola de cosmografia e de navegação que foi frequentada
pelos cavaleiros da sua casa, e por outros homens que se entusiasmavam pelas
suas empresas.
Ainda que não
tivessem a forma regular dum curso aqueles estudos, contudo a conversação do
infante, de Jaime de Maiorga, e de outros homens célebres que se agrupavam em
redor do filho de Dom João I, seria altamente instrutiva para os cavaleiros que
os escutavam, e foram os mesmos que depois guiaram as caravelas de Dom Henrique
nos seus empreendimentos.
Na vila,
também o infante estabeleceu estaleiros e oficinas de construção naval, e ergueu
o primeiro observatório astronómico que existiu em Portugal. Dentro da povoação
havia uma capela dedicada a N. Sr.ª da Conceição, e fora a igreja de Santa
Catarina, acima do porto onde desembarcavam os que vinham nos navios, e para
que os mareantes que ali morressem, fossem enterrados no cemitério ali
existente.
Estavam pois
reunidos todos os elementos precisos para se levar a efeito a empresa intentada
pelo infante. Recursos não lhe faltavam; como grão-mestre da ordem de Cristo,
podia aplicar os imensos rendimentos dessa cavalaria religiosa a expedições em
que tanto lucrava a propagação da fé cristã. Armado com as informações que
obtivera em Ceuta, decidiu-se a mandar todos os anos alguns navios tentar
explorações para o sul.
Começou então
a série de descobrimentos, que deviam levar o padrão das quinas aos confins da
terra, e imortalizar a memória do infante Dom Henrique. Em 1418 Bartolomeu
Perestrelo descobriu a ilha do Porto Santo, cuja capitania lhe foi confiada com
permissão de el-rei; e João Gonçalves Zarco acompanhado de Tristão Vaz Teixeira
encontrou a Madeira; estas ilhas, contudo, e a dos Açores, está provada já
serem conhecidas, tendo sido descobertas no tempo de D. Afonso IV.
Quando os
navegadores voltaram ao reino trazendo notícias maravilhosas do que tinham
visto. Dom João I e o infante rejubilaram; este por ter conseguido o fim a que
aspirava, aquele pela glória e proveito que destes descobrimentos provinham
para o país, ilustrando o seu reinado.
Dom Henrique,
porém, não se limitou a dirigir as navegações, procurou colonizar as ilhas que
se iam descobrindo. A Madeira, principalmente, mereceu-lhe os maiores desvelos.
Anos depois, em 1432, Gonçalo Velho Cabral, comendador de Almourol, encontrou
as ilhas dos Açores. No entretanto, não eram as ilhas do Atlântico que cativavam
os cuidados do infante; o que mais o preocupava era esse mar tenebroso, que os
mareantes da Idade Média julgavam impossível de transpor. Passar além do cabo
Bojador, julgava-se impossível. Vinte tentativas se haviam feito para dobrar esse
cabo, mas os navegantes sempre recuavam por terror supersticioso. Finalmente, Dom
Henrique armou uma barca, cuja capitania confiou a Gil Eanes, seu escudeiro,
que partiu em 1433 cheio de terror, e voltou sem nada ter adiantado. Aportando
às Canárias, retrocedeu com uns cativos, convencido de que ir além, era empresa
que Deus puniria com severidade.
Instado pelo
infante, tornou a embarcar em 1434, e vencendo o terror, teve a fortuna de
dobrar o cabo fatídico. Este facto ficou registado como a data mais memorável
da história das nossas descobertas. As navegações continuaram, recomendando
sempre o infante aos navegantes nas suas instruções, que estudassem
minuciosamente as costas que percorriam, colhessem o maior número possível de
informações, e sobretudo não deixassem de procurar saber onde vivia o famoso
Prestes João das Índias.
Em 1436 Afonso
Gonçalves Baldaia, percorrendo a costa ao sul do Bojador, descobriu o Rio do
Ouro, e desembocando na Angra dos Cavalos, continuou navegando para o sul, e
chegou à Pedra da Galé.
Como ponto
negativo temos de referir a infeliz empresa de Tânger, em que ele foi com seu
irmão, o infante Dom Fernando, que por ser ainda criança não pudera acompanhar
el-rei seu pai e seus irmãos na tomada de Ceuta. Obtida a licença de el-rei Dom
Duarte, partiram ambos os irmãos a 22 de Agosto de 1437 para Tânger, com uma
esquadra e um exército bem pouco proporcionado à grandeza da empresa que iam
tentar. Foi uma fatalidade, de que resultou o cativeiro e morte do infante Dom
Fernando, que ficou conhecido pelo cognome de infante santo. Regressando a
Portugal, por ordem do monarca seu irmão, Dom Henrique continuou com os
descobrimentos.
Em 1441 Nuno
Tristão descobriu o Cabo Branco, em 1443 a ilha de Arguim, onde se estabeleceu
uma feitoria, e em 1445 visitou a costa da Senegâmbia, chegando até Palmar. A
seguir, Diniz Dias dobra o Cabo Verde; João Fernandes, em 1445, que sendo
cativo em Mauritânia, aprendera o árabe, penetra no interior do Sudão e chega
ao país dos Tuaregues, sendo o primeiro europeu que explorou o interior do
continente negro até Taguor; no ano seguinte, 1446, Álvaro Fernandes descobre a
Serra Leoa, e reconhece a ilha de Gorea; em 1457 o veneziano Luís de Cadamosto
e o genovês António Nola, ambos ao serviço do infante, descobriram a Gambia; em
1460 Diogo Gomes descobriu o arquipélago de Cabo Verde.
A fama de D.
Henrique chegara às nações estrangeiras e muitos homens ávidos de aventuras,
vinham pedir-lhe emprego nas suas caravelas. Devotado apaixonadamente às
ciências cosmográficas, Dom Henrique foi um dos maiores matemáticos do seu
tempo; aplicou utilmente o astrolábio à navegação, e inventou as cartas planas.
Quando se reformou a Universidade, em 1431, estando em Lisboa, fez-lhe doação
por escritura de 12 de Outubro, dumas casas que comprara na freguesia de S.
Tomé.
Em 25 de Março
de 1448 fez oferta à mesma Universidade de 12 marcos de prata, anuais, e
consignados nos dízimos da ilha da Madeira, para salário da cadeira de
teologia.
O infante D.
Henrique deixou um nome glorioso, e à, sua pátria uma herança sublime. Foi um
dos vultos mais brilhantes da história da Idade Média, o homem que deve
simbolizar para a história a glória dos descobrimentos.
Faleceu em
Sagres, conforme já foi dito, no estado de solteiro. O seu corpo foi
primeiramente depositado na igreja de Lagos, sendo dali trasladado para o
convento da Batalha em 1461, pelo infante Dom Fernando, seu sobrinho, filho de
el-rei Dom Duarte, a quem pouco tempo antes havia constituído herdeiro e
adoptara como filho.
Sobre o túmulo
vê-se a sua estátua de pedra, que em relevo o representa ao natural, vestido de
armas brancas e coroado de coroa real entretecida de folhas de carvalho, e uma
rosa no meio; tem nela três escudos: o primeiro com as armas do reino de
Portugal e as suas, e nos outros dois as insígnias das duas ordens que
professara, de Cristo e da Jarreteira.
Foram sua
divisa uns ramos pequenos, e curtos como de carrasco com seus frutos pendentes,
e por mote em língua francesa as palavras: Talent de bien faire. Esta divisa
também se vê no túmulo, tendo por baixo numa só linha, em todo o comprimento do
túmulo, um epitáfio em letra alemã. El-rei Dom Manuel lhe mandou colocar também
seu retrato na estátua de mármore sobre a coluna, que divide a porta travessa
da igreja de Belém, como fundador da antiga ermida de Nossa Senhora do Restelo,
que existiu primeiro naquele local.
Para perpetuar
a memória do infante Dom Henrique, erigiu-se em Sagres um monumento modesto. A
portaria tem a data de 8 de Abril de 1836, reinando Dona Maria II, e é
referendada pelo então ministro do reino, marquês de Sá da Bandeira.
Outro facto
que contribuiu para a sua notabilidade foi a divulgação, por Joaquim de
Vasconcelos, dos painéis de S. Vicente de Fora, atribuídos a Nuno Gonçalves,
onde o artista português Columbano identificara uma das personagens como sendo
o Infante. O homem do chapeirão aparece também no manuscrito da Crónica da Guiné,
de Zurara, conservado na Biblioteca de Paris, o que reforça esta ideia. Assim,
o Infante Dom Henrique passa a ser uma das personagens de eleição do
nacionalismo português, que dominou durante o Estado Novo, representando a
coragem, o dinamismo e o espírito empreendedor do povo português.
De facto, muito
daquilo que sabemos desta personagem enigmática foi-nos deixado por Gomes Eanes
de Zurara, na Crónica da Guiné, onde o Infante é exaltado de forma quase
sobrenatural ("príncipe pouco menos que divinal"). O cronista traça o
seu retrato psicológico dando grande ênfase às suas qualidades virtuosas e
pias, como a castidade e o facto de não beber vinho. Segundo o seu relato, Dom
Henrique não era avarento, era um trabalhador aplicado, que para dedicar o
tempo necessário aos seus projetos suprimia as horas de repouso noturno. O seu
feitio obstinado revela-se na teimosia em manter Ceuta, ainda que o preço a
pagar tenha sido a liberdade do seu irmão, Dom Fernando, depois cognominado
popularmente de "Infante Santo".
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