quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Regicídio de Dom Carlos


O Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, ocorrido na Praça do Comércio em Lisboa, marcou profundamente a História de Portugal, uma vez que dele resultou a morte do rei Dom Carlos e do seu filho e herdeiro, o Príncipe Real Dom Luís Filipe de Bragança, marcando o fim da última tentativa de reforma da Monarquia Constitucional e, consequentemente, uma nova escalada de violência no País.

O atentado foi uma directa consequência do clima de crescente tensão que perturbava a vida política portuguesa. Entre outros, dois factores foram primordiais: em primeiro lugar o caminho desde cedo traçado pelo Partido Republicano Português como solução para o desgaste e queda do sistema partidário vigente e, em segundo lugar, a tentativa por parte do rei Dom Carlos, como árbitro do sistema político, de solucionar os problemas desse mesmo sistema, apoiando o Partido Regenerador Liberal de João Franco que, viria a instaurar uma ditadura. Desde a sua fundação que o objectivo primário do Partido Republicano Português era o da substituição do regime. Esta atitude teve a sua quota-parte de responsabilidade no desenrolar deste acontecimento mas, os ânimos foram definitivamente acirrados pelo estabelecimento de uma ditadura por parte de João Franco, com o total apoio do rei e, respetiva suspensão da Carta Constitucional, em 1907.

O progressivo desgaste do sistema político português leva Dom Carlos a decidir, finalmente, a ter uma intervenção activa no jogo político, escolhendo a personalidade de João Franco para a concretização do sempre falhado programa de vida nova. Este, dissidente do Partido Regenerador, solicitou ao Rei o encerramento do Parlamento para poder implementar uma série de medidas com vista à moralização da vida política.

É evidente que o novo governo não podia ser bem recebido pelos que dele não beneficiariam, pelo que se incitou toda a oposição, desde os partidos monárquicos aos republicanos.

Já marcadas novas eleições, e prevendo-se um resultado favorável ao partido no poder, como era costume, decidiram-se os republicanos e os dissidentes pela força, estes apoiaram indirecta ou directamente organizações secretas como a Carbonária ou a Maçonaria. Esta tentativa de golpe de estado fracassa, devido à inconfidência de um conspirador.

A 28 de Janeiro de 1908 são presos vários líderes republicanos, naquele que ficou conhecido como o Golpe do Elevador da Biblioteca. Afonso Costa e Francisco Correia de Herédia, o Visconde de Ribeira Brava, são apanhados de armas na mão no dito elevador, conjuntamente com outros conspiradores, quando tentavam chegar à Câmara Municipal. António José de Almeida, o dirigente Carbonário Luz Almeida, o jornalista João Chagas, João Pinto dos Santos, e Álvaro Poppe contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria de Alpoim consegue fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.

Em resposta a este golpe, e como reflexo de um endurecer de postura por parte do regime, até aí dominado por um fair play que permitia aos republicanos intervenções livres, o governo apresenta ao rei o Decreto de 30 de Janeiro de 1908. Este previa o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado á ordem pública, e tem sido durante muito tempo considerado como a principal causa para o regicídio. Conta-se que, ao assiná-lo, o rei declarou: ”Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram.” É de notar, no entanto, que o decreto, assinado a 30 de Janeiro, só foi publicado a 1 de Fevereiro, e os preparativos para o atentado datam com certeza de antes dessa data: atente-se ao testamento feito pelo regicida Buíça, datado de 28 de Janeiro.

O Rei, a Rainha e o Príncipe Real encontravam-se então em Vila Viçosa, no Alentejo. O infante Dom Manuel havia regressado dias antes, por causa dos seus estudos como aspirante na marinha. Os acontecimentos acima descritos levaram Dom Carlos a antecipar o regresso a Lisboa, tomando o comboio, na estação de Vila Viçosa, na manhã do dia 1 de Fevereiro.

Durante o caminho o comboio sofre um ligeiro descarrilamento junto ao nó ferroviário de Casa Branca. Isto provocou um atraso de quase uma hora. A comitiva régia chegou ao Barreiro ao final da tarde, onde tomou o vapor "D. Luís", com destino ao Terreiro do Paço, em Lisboa, onde desembarcaram, na Estação Fluvial Sul e Sueste, por volta das 5 horas da tarde, onde eram esperados por vários membros do governo, incluindo João Franco, além dos infantes Dom Manuel e Dom Afonso, o irmão do rei.

Apesar do clima de grande tensão, o monarca optou por seguir em carruagem aberta, envergando o uniforme de Generalíssimo, para demonstrar normalidade.

Quando a carruagem circulava junto ao lado ocidental da praça ouve-se um tiro e desencadeia-se o tiroteio. Um homem de barbas, passada a carruagem, dirige-se para o meio da rua, leva à cara a carabina que tinha escondida sob a sua capa, põe o joelho no chão e faz pontaria. O tiro atravessou o pescoço do Rei, matando-o imediatamente. Começa a fuzilaria: outros atiradores, em diversos pontos da praça, atiram sobre a carruagem, que fica crivada de balas.

Os populares desatam a correr em pânico. O condutor, Bento Caparica, é atingido numa mão. Com uma precisão e um sangue frio mortais, o primeiro atirador, mais tarde identificado como Manuel Buíça, professor primário.

Aproveitando isto, surge a correr de debaixo das arcadas um segundo atirador, Alfredo Costa, empregado do comércio e editor de obras de escândalo, que pondo o pé sobre o estribo da carruagem, se ergue à altura dos passageiros e dispara sobre o rei já tombado.

Dom Luís Filipe fica na linha de tiro sendo também atingido mortalmente.

O tiroteio continua. Dona Amélia permanece de pé, gritando por ajuda.

Na breve luta que se segue o soldado é atingido numa perna, mas a sua intervenção é providencial. Tendo voltado o seu cavalo, o oficial Francisco Figueira carrega primeiro sobre o Costa, que ferido pelo príncipe é atingido por um golpe de sabre e preso pela polícia, e de seguida dirige-se a Buíça. Este ainda o consegue atingir numa perna com a sua última bala e tenta fugir, mas Figueira alcança-o e imobiliza-o com uma estocada acabando estes por serem abatidos no local.

A carruagem entra no Arsenal da Marinha, onde se verifica o óbito do Rei e o do Herdeiro do Trono. Quando o Infante Dom Afonso, que havia começado a correr desde o seu carro no fim do cortejo, chegou ao Arsenal, teve como primeiro instinto acusar João Franco como responsável pela tragédia.

Julgando que se tratava de um novo golpe de estado, a população de Lisboa refugia-se nas suas casas e a cidade fica deserta. Mas as tropas permanecem nos quartéis e a situação permanece calma: o atentado não foi um sinal para o golpe, que já havia sido frustrado, antes o acto de quem ainda tinha armas na mão, porventura influenciados pela repressão que se previa da parte do governo.

À noite as rainhas e o novo rei foram escoltados para o palácio das Necessidades, pois


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