O Regicídio de 1 de
Fevereiro de 1908, ocorrido na Praça do Comércio em Lisboa, marcou
profundamente a História de Portugal, uma vez que dele resultou a morte do rei Dom
Carlos e do seu filho e herdeiro, o Príncipe Real Dom Luís Filipe de Bragança,
marcando o fim da última tentativa de reforma da Monarquia Constitucional e,
consequentemente, uma nova escalada de violência no País.
O atentado foi
uma directa consequência do clima de crescente tensão que perturbava a vida
política portuguesa. Entre outros, dois factores foram primordiais: em primeiro
lugar o caminho desde cedo traçado pelo Partido Republicano Português como
solução para o desgaste e queda do sistema partidário vigente e, em segundo
lugar, a tentativa por parte do rei Dom Carlos, como árbitro do sistema
político, de solucionar os problemas desse mesmo sistema, apoiando o Partido
Regenerador Liberal de João Franco que, viria a instaurar uma ditadura. Desde a
sua fundação que o objectivo primário do Partido Republicano Português era o da
substituição do regime. Esta atitude teve a sua quota-parte de responsabilidade
no desenrolar deste acontecimento mas, os ânimos foram definitivamente
acirrados pelo estabelecimento de uma ditadura por parte de João Franco, com o
total apoio do rei e, respetiva suspensão da Carta Constitucional, em 1907.
O progressivo
desgaste do sistema político português leva Dom Carlos a decidir, finalmente, a
ter uma intervenção activa no jogo político, escolhendo a personalidade de João
Franco para a concretização do sempre falhado programa de vida nova. Este,
dissidente do Partido Regenerador, solicitou ao Rei o encerramento do
Parlamento para poder implementar uma série de medidas com vista à moralização
da vida política.
É evidente que
o novo governo não podia ser bem recebido pelos que dele não beneficiariam,
pelo que se incitou toda a oposição, desde os partidos monárquicos aos
republicanos.
Já marcadas
novas eleições, e prevendo-se um resultado favorável ao partido no poder, como
era costume, decidiram-se os republicanos e os dissidentes pela força, estes
apoiaram indirecta ou directamente organizações secretas como a Carbonária ou a
Maçonaria. Esta tentativa de golpe de estado fracassa, devido à inconfidência
de um conspirador.
A 28 de
Janeiro de 1908 são presos vários líderes republicanos, naquele que ficou
conhecido como o Golpe do Elevador da Biblioteca. Afonso Costa e Francisco
Correia de Herédia, o Visconde de Ribeira Brava, são apanhados de armas na mão
no dito elevador, conjuntamente com outros conspiradores, quando tentavam
chegar à Câmara Municipal. António José de Almeida, o dirigente Carbonário Luz
Almeida, o jornalista João Chagas, João Pinto dos Santos, e Álvaro Poppe
contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria de Alpoim
consegue fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores do
falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.
Em resposta a
este golpe, e como reflexo de um endurecer de postura por parte do regime, até
aí dominado por um fair play que permitia aos republicanos intervenções livres,
o governo apresenta ao rei o Decreto de 30 de Janeiro de 1908. Este previa o
exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de
indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado á ordem pública, e
tem sido durante muito tempo considerado como a principal causa para o
regicídio. Conta-se que, ao assiná-lo, o rei declarou: ”Assino a minha sentença
de morte, mas os senhores assim o quiseram.” É de notar, no entanto, que o
decreto, assinado a 30 de Janeiro, só foi publicado a 1 de Fevereiro, e os
preparativos para o atentado datam com certeza de antes dessa data: atente-se
ao testamento feito pelo regicida Buíça, datado de 28 de Janeiro.
O Rei, a
Rainha e o Príncipe Real encontravam-se então em Vila Viçosa, no Alentejo. O
infante Dom Manuel havia regressado dias antes, por causa dos seus estudos como
aspirante na marinha. Os acontecimentos acima descritos levaram Dom Carlos a
antecipar o regresso a Lisboa, tomando o comboio, na estação de Vila Viçosa, na
manhã do dia 1 de Fevereiro.
Durante o
caminho o comboio sofre um ligeiro descarrilamento junto ao nó ferroviário de
Casa Branca. Isto provocou um atraso de quase uma hora. A comitiva régia chegou
ao Barreiro ao final da tarde, onde tomou o vapor "D. Luís", com
destino ao Terreiro do Paço, em Lisboa, onde desembarcaram, na Estação Fluvial
Sul e Sueste, por volta das 5 horas da tarde, onde eram esperados por vários
membros do governo, incluindo João Franco, além dos infantes Dom Manuel e Dom Afonso,
o irmão do rei.
Apesar do
clima de grande tensão, o monarca optou por seguir em carruagem aberta,
envergando o uniforme de Generalíssimo, para demonstrar normalidade.
Quando a
carruagem circulava junto ao lado ocidental da praça ouve-se um tiro e desencadeia-se
o tiroteio. Um homem de barbas, passada a carruagem, dirige-se para o meio da
rua, leva à cara a carabina que tinha escondida sob a sua capa, põe o joelho no
chão e faz pontaria. O tiro atravessou o pescoço do Rei, matando-o
imediatamente. Começa a fuzilaria: outros atiradores, em diversos pontos da
praça, atiram sobre a carruagem, que fica crivada de balas.
Os populares
desatam a correr em pânico. O condutor, Bento Caparica, é atingido numa mão.
Com uma precisão e um sangue frio mortais, o primeiro atirador, mais tarde
identificado como Manuel Buíça, professor primário.
Aproveitando
isto, surge a correr de debaixo das arcadas um segundo atirador, Alfredo Costa,
empregado do comércio e editor de obras de escândalo, que pondo o pé sobre o
estribo da carruagem, se ergue à altura dos passageiros e dispara sobre o rei
já tombado.
Dom Luís
Filipe fica na linha de tiro sendo também atingido mortalmente.
O tiroteio continua.
Dona Amélia permanece de pé, gritando por ajuda.
Na breve luta
que se segue o soldado é atingido numa perna, mas a sua intervenção é
providencial. Tendo voltado o seu cavalo, o oficial Francisco Figueira carrega
primeiro sobre o Costa, que ferido pelo príncipe é atingido por um golpe de
sabre e preso pela polícia, e de seguida dirige-se a Buíça. Este ainda o
consegue atingir numa perna com a sua última bala e tenta fugir, mas Figueira
alcança-o e imobiliza-o com uma estocada acabando estes por serem abatidos no
local.
A carruagem
entra no Arsenal da Marinha, onde se verifica o óbito do Rei e o do Herdeiro do
Trono. Quando o Infante Dom Afonso, que havia começado a correr desde o seu
carro no fim do cortejo, chegou ao Arsenal, teve como primeiro instinto acusar
João Franco como responsável pela tragédia.
Julgando que
se tratava de um novo golpe de estado, a população de Lisboa refugia-se nas
suas casas e a cidade fica deserta. Mas as tropas permanecem nos quartéis e a
situação permanece calma: o atentado não foi um sinal para o golpe, que já
havia sido frustrado, antes o acto de quem ainda tinha armas na mão, porventura
influenciados pela repressão que se previa da parte do governo.
À noite as
Rainhas e o novo Rei D. Manuel II foram escoltados para o Palácio das
Necessidades pois temia-se novo atentado.
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