A Batalha do Salado foi travada a 30 de outubro de 1340,
entre Cristãos e Mouros, junto da ribeira do Salado, na província de Cádis (sul
de Espanha), pela defesa da Península Ibérica da invasão dos mouros.
Abul-Hassan, rei de Fez e de
Marrocos, aliado ao emir de Granada, decidira reapossar-se a qualquer preço dos
domínios cristãos, tendo as forças muçulmanas já entrado em acção contra
Castela. A frota do prior de S. João do Hospital[i], almirante castelhano,
que tentara opor-se ao desembarque dos mouros, foi completamente destroçada por
uma tempestade, e esse desastre obrigou Afonso XI de Castela a humilhar-se,
mandando pedir à esposa, Dona Maria - a quem tanto desrespeitara com os seus
escandalosos casos amorosos com Leonor de Gusmão - que interviesse junto de seu
pai, o rei português Afonso IV de Portugal (1325-1357), para que este enviasse
uma esquadra de socorro.
Dona Maria, recolhida num
convento em Sevilha e, apesar dos agravos que sofrera, acedeu ao pedido.
Todavia, Afonso IV, no intuito de humilhar ainda mais o genro, respondeu ao
apelo dizendo, verbalmente, ao enviado da filha, que se o rei de Castela
precisava de socorro o pedisse directamente. Vergando o seu orgulho ao peso das
circunstâncias, Afonso XI de Castela repetiu pessoalmente - por carta - o
pedido foi feito, e o soberano português enviou-lhe imediatamente uma frota
comandada pelo almirante genovês Manuel Pessanha (ou Pezagno) e por seu filho
Carlos. Mas era cada vez mais desesperada a situação de Afonso XI, a quem o
papa censurava asperamente.
Além da frota portuguesa, Castela recebeu um reforço de
doze galés cedidas pelo rei de Aragão, Dom Pedro IV (1336-1387) mas tudo isto
nada era em comparação com o avassalador número dos contingentes mouros. O rei
de Granada, Yusef-Abul-Hagiag, ocupou em Setembro de 1340, o comando das
tropas, às quais pouco depois se juntou, em Algeciras, um formidável exército
sob as ordens de Abul-Hassan. A ameaça muçulmana era apavorante. Os mouros,
embora repelidos nas primeiras tentativas de ataque a Tarifa, na
província de Cádis, não deixavam prever a possibilidade de vantagens futuras
para as hostes cristãs.Reconhecendo a premente necessidade da ajuda efectiva do rei de Portugal, Afonso XI de novo solicitou a intervenção de D. Maria. Esta acedeu uma vez mais e foi-se encontrar com seu pai, Dom Afonso IV, em Évora. O soberano português atendeu as súplicas de sua filha, e logo esta foi dar a boa notícia a seu marido, que ansioso, a fora esperar a Juromenha.
Dom Afonso IV reuniu então em
Elvas junto com D. Martim Peres de Soveral, o maior número possível de
cavaleiros e peões, e à frente do exército, que ia aumentando durante o caminho
com os contingentes formados em vários pontos, dirigiu-se a Castela, onde por
ordens do genro foi recebido com todas as honras. Em Sevilha, o próprio Afonso
XI acolheu festivamente o rei de Portugal e sua filha, a rainha Dona Maria. Ali
se desfizeram quanto menos momentaneamente, os ressentimentos de passadas
discórdias.
Acordado entre os dois monarcas o
plano estratégico, não se demoraram em sair de Sevilha a caminho de Tarifa,
tendo chegado oito dias depois a Pena del Ciervo avistava-se o extensíssimo
arraial muçulmano.
Em 29 de Outubro, reunido o
conselho de guerra, foi decidido que Afonso XI de Castela combateria o rei de
Marrocos, e Afonso IV de Portugal enfrentaria o de Granada. Afonso XI designou D.
João Manuel para a vanguarda das hostes castelhanas, onde iam também D. João
Nunes de Lara e o novo mestre de Sant'Iago, irmão de Leonor de Gusmão. Com D.
Afonso IV viam-se o arcebispo de Braga Gonçalo Pereira, o prior do Crato, Álvaro
Gonçalves Pereira (Pai de Nuno Álvares Pereira), o mestre da Ordem de Avis (Dom
Martim Martins de Avelar?) e muitos denotados cavaleiros.
No campo dos cristãos e dos
muçulmanos tudo se dispunha para a batalha, que devia travar-se ao amanhecer do
dia seguinte. A cavalaria castelhana, atravessando o Salado, iniciou a peleja.
Logo saiu, a fazer-lhe frente, o escol da cavalaria muçulmana, não conseguindo
deter o ataque. Quase em seguida avançou Afonso XI, com o grosso das suas
tropas, defrontando então as inumeráveis forças dos mouros. Estava travada,
naquele sector, a ferocíssima luta. O rei de Castela, cuja bravura não
comportava hesitações, acudia aos pontos onde o perigo era maior, carregando
furiosamente sobre os bandos árabes até os pôr em debandada.
Após forte peleja não tardou
muito que, numa fuga desordenada, africanos e granadinos abandonassem a
batalha, largando tudo para salvar a vida. O campo estava juncado de corpos de
mouros, vítimas da espantosa mortandade.
O arraial, enorme, dos reis de
Fez e de Granada, com todos os seus despojos valiosíssimos em armas e bagagens,
caiu finalmente em poder dos cristãos, que ali encontraram ouro e prata em
abundância, constituindo tesouros de valor incalculável. Ao fazer-se a partilha
destes despojos, assim como dos prisioneiros, quis Afonso XI agradecer ao
sogro, pedindo-lhe que escolhesse quanto lhe agradasse, tanto em quantidade
como em qualidade.
Afonso IV, porém num dos raros
gestos de desinteresse que praticou em toda a sua vida, só depois de muito
instado pelo genro escolheu, como recordação, uma cimitarra cravejada de pedras
preciosas e, entre os prisioneiros, um sobrinho do rei Abul-Hassan. A 1 de Novembro
ao princípio da tarde, os exércitos vencedores abandonaram finalmente o campo
de batalha, dirigindo-se para Sevilha onde o rei de Portugal pouco tempo se
demorou, regressando logo a casa.
Pode imaginar-se sem custo a
impressão desmoralizadora que a vitória dos cristãos, na Batalha do Salado,
causou em todo o mundo muçulmano, e o entusiasmo que se espalhou entre o
cristianismo europeu. Era ao cabo de seis séculos, uma renovação da vitória de Carlos
Martel em Poitiers.
Afonso XI para exteriorizar o seu
regozijo, apressou-se a enviar ao Papa Bento XII uma pomposa embaixada
portadora de valiosíssimos presentes, constituídos por uma parte das riquezas
tomadas aos mouros, vinte e quatro prisioneiros portadores de bandeiras que
haviam caído em poder dos vencedores, muitos cavalos árabes ricamente ajaezados
e com magníficas espadas e adagas pendentes dos arções, e ainda o soberbo
corcel em que o rei castelhano pelejara.
Quanto ao auxílio prestado por
Portugal, que sem dúvida fora bastante importante para decidir a vitória dos
exércitos cristãos, deixou-o o Papa Bento XII excluído dos louvores que, em
resposta, endereçou a Afonso XI em consequência da opulenta «lembrança» enviada
pelo rei de Castela. Dom Afonso IV, que durante o seu reinado praticou as
maiores crueldades, ficaria na História com o cognome de «o Bravo», em
consequência da sua acção na Batalha do Salado.
[i] Fundada em
Jerusalém, a Ordem de São João do Hospital conheceu, ao longo dos séculos,
mercê da sorte das armas na luta entre a Fé de Cristo e a Fé de Maomé, vários
locais onde instalou a sua Casa-Mãe. Primeiro Jerusalém, depois Margat, S. João
de Acre (1206-1290), Chipre (1290-1309), Rodes (1309-1310), onde adquiriu uma
feição “insular”, no dizer de Fr. Lucas de Santa Catharina, e se manteve até
1522, quando a ilha foi tomada pelos turcos. Finalmente, instituíram-se na ilha
de Malta.
Esta é, em síntese, a origem da Ordem dos Hospitalários, ou de São João de
Jerusalém, de Rodes ou ainda designada de Malta, a partir de 1530, quando os
freires, como referimos, se instalaram na ilha assim chamada, que lhes foi
doada pelo Imperador Carlos V.
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