Na madrugada
de 13 de Dezembro de 1758 o mistério que cobria as investigações sobre os
Távoras é rompido quando as autoridades prendem o Duque de Aveiro, os marqueses
de Távora e de Alorna, os condes de Atouguia, de Óbidos e da Ribeira Grande, e
vários criados dos titulares.
O Processo dos
Távora refere-se a um escândalo político português do século XVIII. Os
acontecimentos foram desencadeados pela tentativa, pensa-se sem se ter a certeza,
de assassinato do Rei Dom José I na noite de 3 de Setembro de 1758, e
culminaram numa execução pública em Belém no dia 13 de Janeiro de 1759. Foram
espancados e depois queimados Dom Francisco de Távora e os seus dois filhos,
José Maria e Luís Bernardo. Brás Romeiro, grande amigo de Luís Bernardo também
não escapou. Forma também presos o Duque de Aveiro, um dos seus criados e um
irmão desse criado, e a Marquesa de Távora, Dona Leonor, que foi decapitada.
O resto das famílias
Távora, Aveiro, Alorna e Atouguia, entre eles o bispo de Coimbra D. Miguel da
Anunciação, foram presos sendo mais tarde mandados libertar por D. Maria I, que
nunca viu este processo com bons olhos, acreditando na inocência dos Távora e
restantes acusados, em prol de benefícios obscuros.
Na verdade
nunca ficou provado que se tratasse de um atentado contra o Rei, falou-se e
pensa-se que os tiros eram para um tal de Pedro Teixeira com o qual o Duque de
Aveiro tinha um diferendo, mas também aqui não há certezas.
No seguimento
do terramoto de Lisboa ocorrido a 1 de Novembro de 1755, que destruiu o palácio
real, o rei Dom José I vivia num grande complexo de tendas e barracas de luxo instaladas
na Ajuda. Era aqui que decorria na altura o centro da vida política e social
portuguesa.
Apesar de
constituírem acomodações pouco espectaculares, as tendas da Ajuda eram o centro
de uma corte tão glamorosa e rica como a de Versalhes de Luís XV de França. O
rei vivia rodeado pela sua equipa administrativa, liderada pelo
primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, e pelos seus nobres. O
primeiro-ministro era um homem severo, filho de um fidalgo de província, com
algum rancor para com a velha nobreza, que o desprezava. Desavenças entre ele e
os nobres eram frequentes e toleradas pelo rei, que confiava em Sebastião de
Melo pela sua liderança competente após o terramoto.
Dom José I era
casado com Mariana Vitoria de Borbón, princesa espanhola, e tinha 4 filhas.
Apesar de ter uma vida familiar alegre (o rei adorava as filhas e apreciava
brincar com elas e levá-las em passeio), Dom José I tinha uma amante: Teresa
Leonor, mulher de Luís Bernardo, herdeiro da família de Távora.
A Marquesa
Leonor de Távora e o seu marido Francisco de Assis, conde de Alvor (e antigo vice-rei
da Índia), eram as cabeças de uma das famílias mais poderosas do reino, ligadas
às casas de Aveiro, Cadaval, São Vicente e de Alorna. Eram também inimigos fidagáis
de Sebastião de Melo. Leonor de Távora era uma mulher política, preocupada com
os negócios do Reino, entregue a seu ver a um novo-rico sem educação. Ela era
também uma devota católica, com forte afiliação aos jesuítas, tendo como
confessor um deles, Gabriel Malagrida.
Na noite de 3
de Setembro de 1758, Dom José I seguia incógnito numa carruagem que percorria
uma rua secundária nos arredores de Lisboa. O rei regressava para as tendas da
Ajuda depois de ter passado a noite com a amante. Pelo caminho, a carruagem foi
interceptada por três homens, que dispararam sobre os ocupantes. Dom José I foi
ferido num braço, o seu condutor também ficou ferido gravemente, mas ambos
sobreviveram e regressaram à Ajuda.
Sebastião de
Melo tomou o controlo imediato da situação. Mantendo em segredo o ataque e os
ferimentos do rei, actuando rapidamente. Poucos dias depois, dois homens foram
presos e torturados. Os homens confessaram a sua participação no atentado a ordens
da família dos Távora, que estavam a conspirar pôr o duque de Aveiro, José
Mascarenhas, no trono. Ambos foram enforcados no dia seguinte, mesmo antes da
tentativa de regicídio ter sido tornada pública. Nas semanas que se seguem, a
marquesa Leonor de Távora, o seu marido, o conde de Alvor, todos os seus
filhos, filhas e netos foram encarcerados. Os conspiradores, o duque de Aveiro
e os genros dos Távora, o marquês de Alorna e o conde de Atouguia foram presos
com as suas famílias. Gabriel Malagrida, o jesuíta confessor de Leonor de
Távora foi igualmente preso.
Foram todos
acusados de alta traição e de regicídio. As provas apresentadas em tribunal
eram simples:
a) As confissões
dos assassinos executados.
b) A arma do
crime pertencia ao duque de Aveiro.
c) E o facto
de apenas os Távora poderem ter sabido dos afazeres do rei nessa noite, uma vez
que ele regressava de uma ligação com Teresa de Távora, presa com os outros. Os
Távora negaram todas as acusações mas foram condenados à morte. Os seus bens
foram confiscados pela coroa, o seu nome apagado da nobreza e os brasões
familiares foram proibidos. A varonia Távora e morgadio foram então
transferidos para a casa dos condes de São Vicente.
A sentença
ordenou a execução de todos, incluindo mulheres e crianças. Apenas as
intervenções da Rainha Mariana e de Maria Francisca, a herdeira do trono,
salvaram a maioria deles. A marquesa, porém, não seria poupada. Ela e outros
acusados que tinham sido sentenciados à morte foram torturados e executados
publicamente a 13 de Janeiro de 1759 num descampado, perto de Lisboa, junto à Torre
de Belém.
A execução foi
violenta mesmo para a época, as canas das mãos e dos pés dos condenados foram
partidas com paus e as suas cabeças decapitadas sendo depois os restos dos
corpos queimados e as cinzas deitadas ao rio Tejo. O rei esteve presente,
juntamente com a sua corte, absolutamente desnorteada. Os Távora eram seus
semelhantes, mas o rei quis que a lição fosse aprendida e para que nunca mais a
nobreza se rebelasse contra a autoridade régia.
O palácio do
Duque de Aveiro, em Belém, foi demolido e o terreno salgado, simbolicamente,
para que nunca mais nada ali crescesse. No local, hoje chamado Beco do Chão
Salgado, existe um marco alusivo ao acontecimento mandado erigir por Dom José
com uma lápide que ainda hoje pode ser lida. As armas da família Távora foram
picadas e o nome Távora foi mesmo proibido de ser citado.
Gabriel
Malagrida foi enforcado e queimado a 21 de Setembro de 1761 e a Companhia de
Jesus declarada ilegal. Todas as suas propriedades foram confiscadas e os jesuítas
expulsos do território português, na Europa e no Ultramar. A família Alorna e as
filhas do Duque de Aveiro foram condenadas a prisão perpétua em mosteiros e conventos.
Sebastião de
Melo foi feito Conde de Oeiras pelo seu tratamento competente do caso, e
posteriormente, em 1770, obteve o título de Marquês de Pombal, o nome pelo qual
é conhecido hoje.
A culpa ou
inocência dos Távoras ainda hoje é debatida por historiadores portugueses. Por
um lado, as más relações entre a alta nobreza e o rei estão bem documentadas. A
falta de um herdeiro masculino ao trono era motivo de desagrado para muitos, e
o Duque de Aveiro era de facto uma opção.
Por outro
lado, alguns referem uma coincidência: com a condenação dos Távoras e dos Jesuítas,
desapareceram os inimigos de Sebastião de Melo e a nobreza foi domada.
Adicionalmente, os acusados Távoras argumentaram que a tentativa de assassínio
de D. José I teria sido um assalto comum, uma vez que o rei viajava sem guarda
nem sinais de distinção numa perigosa rua de Lisboa.
Outra pista de
suposta inocência é o facto de nenhum dos Távoras ou familiares terem tentado
escapar de Portugal nos dias que se seguiram ao atentado.
Culpados ou
não, as execuções dos Távoras fora um acontecimento devastador para Portugal. A
execução de uma família da primeira nobreza constituiu um choque. A futura
rainha Dona Maria I ficou muito afetada pelos eventos.
O desprezo da
rainha pelo primeiro-ministro de seu pai foi total. Retirou-lhe todos os
poderes e expulsou-o de Lisboa. Foi emitido um decreto proibindo a sua presença
a uma distância inferior a 20 milhas (cerca de 35 Km) da capital.
Do total de
mais de 400 pessoas citadas, muitas escaparam e fugiram para o Brasil, sendo o
caso mais conhecido o misterioso Frei Lourenço, fundador do Convento do Caraça
em Minas Gerais.
Mais tarde,
depois da governação de "Pombal" o desembargador frei dr. José
Ricalde Pereira de Castro, tendo sido o relator do Tribunal revisionista deste
processo ("dos Távoras"), por sentença de 23 de Maio de 1781,
pronunciou a inocência dos Marqueses de Távora, de seus filhos, do Conde de
Atouguia, embora confirmando a culpabilidade do Duque de Aveiro. Mas tal nunca
foi confirmado pela rainha D. Maria I.
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