No dia 24 de Dezembro, há mais de 2000 anos,
José e Maria iam a caminho de Belém para o censo, tal como havia ordenado César
Augusto. José ia caminhando, e Maria, a ponto de dar à luz ao seu filho, ia sentada
num burrinho. Meses antes, o arcanjo Miguel, ou Gabriel, havia visitado Maria
para lhe dar a notícia que do seu ventre nasceria o filho de Deus, um menino
que se chamaria Jesus.
Quando chegaram a Belém, Maria e José
buscaram um lugar para se acomodarem, mas por terem chegado tarde todas as
instalações estavam cheias. Finalmente, um bom senhor emprestou seu estábulo
para passarem a noite ali.
José juntou um pouco de palha e fez uma cama
para a sua esposa. O que ninguém poderia imaginar era que antes do dia
terminar, Jesus nasceria ali mesmo.
Ao cair à noite, no céu nasceu uma estrela
que iluminava mais que todas as outra e ficou justamente em cima onde estava o
menino que acabara de nascer.
Muito longe dali, no Oriente, três sábios
astrólogos chamados Melchior, Gaspar e Baltasar, sabiam que essa estrela
significava que um novo rei estava para nascer.
Os três sábios, que hoje conhecemos como os
três reis magos, foram seguindo a estrela brilhante até a manjedoura de Belém
para visitar Jesus.
Quando chegaram ao seu destino, Melchior,
Gaspar e Baltasar, procuraram a manjedoura e presentearam a criança com ouro,
incenso e mirra.
É assim a
narração feita pela Bíblia. Mas terá sido assim mesmo que tudo aconteceu? Terá
Jesus “nascido” no dia 25 de Dezembro?
É verdade que o natal se tornou numa festa cristã
que se comemora a 25 de dezembro e é considerada uma das maiores e mais importantes
festas de todo o mundo. Comemora o nascimento do menino Jesus Cristo.
Mas qual a origem da palavra natal? A
palavra natal vem do latim nãtãlis que é uma palavra derivada do verbo nãscor
que significa nascer.
É preciso realçar que a
humanidade comemora essa data desde bem antes do nascimento de Jesus - o Natal
é tão antigo quanto a civilização.
Roma, século 2, dia 25 de Dezembro. A
população está em festa, em homenagem ao nascimento daquele que veio para
trazer benevolência, sabedoria e solidariedade aos homens. Cultos religiosos
celebram o ícone, nessa que é a data mais sagrada do ano. Enquanto isso, as
famílias apreciam os presentes trocados dias antes e se recuperam de uma longa
comilança.
Mas não. Essa
comemoração não é o Natal. Trata-se de uma homenagem à data de “nascimento” do
deus persa Mitra, que representa a luz e, ao longo do século 2, tornou-se uma
das divindades mais respeitadas entre os romanos. Qualquer semelhança com o
feriado cristão, no entanto, não é mera coincidência.
A história do
Natal começa, na verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É
tão antiga quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o
solstício de inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que
acontece no final de Dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez
mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de viragem das trevas para
luz: o “renascimento” do Sol. Num tempo em que o homem deixava de ser um
caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais
longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. E então era só
festa. Na Mesopotâmia, a celebração durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o
solstício para homenagear Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa, enquanto
os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos. Na
China, as homenagens eram (e ainda são) para o símbolo do yin-yang, que
representa a harmonia da natureza. Até povos antigos da Grã-Bretanha, mais
primitivos que os seus contemporâneos do Oriente, comemoravam: o forrobodó era
em volta de Stonehenge, monumento que começou a ser erguido em 3100 a.C. para
marcar a trajetória do Sol ao longo do ano.
A comemoração
em Roma, então, era só mais um reflexo de tudo isso. Cultuar Mitra, o deus da
luz, no 25 de Dezembro era nada mais do que festejar o velho solstício de
inverno – pelo calendário atual, diferente daquele dos romanos, o fenômeno na
verdade acontece no dia 20 ou 21, dependendo do ano. Seja como for,
o culto a Mitra chegou à Europa lá pelo século 4 a.C., quando Alexandre, o
Grande, conquistou o Médio Oriente. Centenas de anos depois, soldados romanos tornaram-se
devotos da divindade. E ela foi parar no centro do Império.
Mitra, então,
ganhou uma celebração exclusiva: o Festival do Sol Invicto. Esse evento passou
a dar origem a outra festa dedicada ao solstício. Era a Saturnália, que durava
uma semana e servia para homenagear Saturno, senhor da agricultura. “O ponto
inicial dessa comemoração eram os sacrifícios ao deus. Enquanto isso, dentro
das casas, todos se felicitavam, comiam e trocavam presentes”, dizem os historiadores
Mary Beard e John North no livro Religions of Rome (“Religiões de Roma”, sem
tradução para o português). Os mais animados entregavam-se a orgias – mas isso faziam
os romanos o tempo todo.
Enquanto isso,
uma religião monoteísta que não ligava a estas comemorações crescia em Roma: o
cristianismo.
Solstício cristão
As datas
religiosas mais importantes para os primeiros seguidores de Jesus só tinham a
ver com o seu martírio: a Sexta-Feira Santa (crucificação) e a Páscoa
(ressurreição). O costume, afinal, era lembrar apenas a morte de personagens
importantes. Líderes da Igreja achavam que não fazia sentido comemorar o
nascimento de um santo ou de um mártir – já que ele só se torna uma coisa ou
outra depois de morrer. Isto para não reconhecer que ninguém fazia ideia da
data exacta em que Jesus teria vindo ao mundo – o Novo Testamento não diz nada
a esse respeito. Só que existia um problema: os fiéis de Roma queriam encontrar
que fizesse frente às comemorações pelo solstício.
E encontrar
uma celebração cristã nessa época viria a calhar – principalmente para os
chefes da Igreja, que teriam mais facilidade em amealhar novos fiéis. Assim, em
221 d.C., o historiador cristão Sextus Julius Africanus teve a ideia: faze
coincidir o aniversário de Jesus no dia 25 de Dezembro, com o nascimento de
Mitra. A Igreja aceitou a proposta e, a partir do século 4, quando o
cristianismo se tornou a religião oficial do Império, o Festival do Sol Invicto
começou a mudar de homenageado. “Associado ao deus-sol, Jesus assumiu a forma
da luz que traria a salvação para a humanidade”, diz o historiador Pedro Paulo
Funari. Assim, a invenção católica herdava tradições anteriores. “Ao contrário
do que se pensa, os cristãos nem sempre destruíam as outras percepções de mundo
como rolos compressores. Nesse caso, o que ocorreu foi uma troca cultural”,
afirma outro historiador especialista em Antiguidade, André Chevitarese, da
UFRJ.
Não existem evidências
que nos permitam dizer como eram os primeiros Natais cristãos, mas é facto que
hábitos como a troca de presentes e as refeições suntuosas permaneceram. E a
coisa não parou por aí. Ao longo da Idade Média, enquanto missionários
espalhavam o cristianismo pela Europa, costumes de outros povos foram entrando
para a tradição natalina. A que deixou um legado mais forte foi o Yule, a festa
que os nórdicos faziam em homenagem ao solstício. O presunto da ceia, a
decoração colorida das casas e a árvore de Natal vêm de lá. Só isso.
Outra
contribuição do norte foi a ideia de um ser sobrenatural que dá presentes para
as criancinhas durante o Yule. Em algumas tradições escandinavas, era (e ainda
é) um gnomo quem cumpre esse papel. Mas essa figura logo ganharia traços mais
humanos.
E assim nasce
o Pai Natal
Ásia Menor,
século 4. Três raparigas da cidade de Myra (onde hoje fica a Turquia) viviam
muito mal. Seu pai não possuía quaisquer bens, e as raparigas só viam uma maneira
de sair da miséria: entrar para o ramo da prostituição. Foi então que, numa
noite de inverno, um homem misterioso jogou um saquinho cheio de ouro pela
janela (alguns dizem que foi pela chaminé) e desapareceu. Na noite seguinte,
atirou outro; depois, mais outro. Um para cada rapariga. Aí as raparigas usaram
o ouro como dotes de casamento – não era possível nessa época arranjar um bom
marido sem pagar por isso. E viveram felizes para sempre, sem o fantasma de entrar
para a vida, digamos, “profissional”. Tudo graças ao sujeito dos saquinhos. O seu
nome? Papai Noel.
Bom, mais ou
menos. O tal benfeitor era um homem de carne e osso conhecido como Nicolau de
Myra, o bispo da cidade. Não existem registros históricos sobre a sua vida, mas
lenda é o que não falta. Nicolau seria um ricaço que passou a vida dando
presentes para os pobres. Histórias sobre a generosidade do bispo, como essa
das raparigas que escaparam do bordel, ganharam estatuto de mito. Rapidamente
lhe foram atribuídos toda sorte de milagres. E um século após a sua morte, o
bispo foi canonizado pela Igreja Católica. Tornou-se são Nicolau.
Um santo
multiuso: padroeiro das crianças, dos mercadores e dos marinheiros, que levaram
a sua fama de bonzinho para todos os cantos do Velho Continente. Na Rússia e na
Grécia Nicolau tornou-se o santo mais importante, a sua Nossa Senhora de Fátima.
No resto da Europa, a imagem benevolente do bispo de Myra fundiu-se com as
tradições do Natal. Tornou-se o santo presenteiro oficial da data. Na
Grã-Bretanha, passaram a chamá-lo de Father Christmas (Papai Natal). Os
franceses cunharam Pére Nöel. Na Holanda, o santo Nicolau teve o nome encurtado
para Sinterklaas. E o povo dos Países Baixos levou essa versão para a colônia
holandesa de Nova Amsterdã (atual Nova York) no século 17. Assim o Natal que nos
conhecemos ia ganhando o mundo, mas nem todos gostaram da ideia.
Natal
fora-da-lei
Inglaterra,
década de 1640. No meio de uma sangrenta guerra civil, o rei Charles I
digladiava os cristãos puritanos – os filhos mais radicais da Reforma
Protestante, que dividiu o cristianismo em várias facções no século 16.
Os puritanos
queriam quebrar todos os laços que outras igrejas protestantes, como a
anglicana, dos nobres ingleses, ainda mantinham com o catolicismo. A ideia de
comemorar o Natal era um desses laços. Então era preciso terminar com ela.
Primeiro, eles
tentaram mudar o nome da data de “Christmas” (Christ’s mass, ou Missa de
Cristo) para Christide (Tempo de Cristo) – já que “missa” é um termo católico.
Não satisfeitos, decidiram extinguir o Natal: em 1645, o Parlamento, de maioria
puritana, proibiu as comemorações pelo nascimento de Cristo. A justificáo seria
que, além de não estar mencionada na Bíblia, a festa ainda dava início a 12
dias de gula, preguiça e mais um monte de outros pecados.
A população
não aderiu e continuou a comemorar às escondidas. Em 1649, Charles I foi
executado e o líder do exército puritano Oliver Cromwell assumiu o poder. As
intrigas sobre a comemoração continuaram, e chegaram a pancadaria e repressões
violentas. A situação, no entanto, durou pouco. Em 1658 Cromwell morreu e a
restauração da monarquia trouxe a festa de volta. Mas o Natal não estava
completamente a salvo. Alguns puritanos do outro lado do oceano logo proibiriam
a comemoração nas suas terras. Foi na então colônia inglesa de Boston, onde
festejar o 25 de Dezembro se tornou prática ilegal entre 1659 e 1681. O lugar
que se tornaria os EUA, afinal, tinha sido colonizado por puritanos ainda mais
linha-dura que os seguidores de Cromwell. Tanto que o Natal só se tornou
feriado nacional em 1870, quando uma nova realidade já falava mais alto que
cismas religiosas.
Com o
desenvolvimento da Revolução Industrial torna-se óbvia a produção em massa. Com
ela surge a indústria dos presentes, faz nascer a publicidade natalícia e acaba
por transformar o bispo Nicolau no agente de propaganda mais requisitado do
planeta. Até meados do século 19, a sua imagem mais comum era a de um bispo
mesmo, com manto vermelho e mitra – aquele chapéu comprido que as autoridades
católicas usam.
Para se
enquadrar nos novos tempos, então, foi necessário alterar a sua imagem. O
cirurgião foi o publicitário americano chamado Thomas Nast, que em 1862, tirou
as referências religiosas, adicionou uns quilinhos a mais, remodelou o figurino
vermelho e estabeleceu a residência dele no Pólo Norte – para que o “velhinho”
não pertencesse a país nenhum. Nascia o Pai Natal de hoje. Mas a figura do bom
velhinho só espalharia por todo o mundo depois de 1931, quando se tornou estrela
de uma série de anúncios da Coca-Cola. A campanha foi sucesso imediato. Tão
grande que, nas décadas seguintes, o gorducho se tornou a coisa mais associada
ao Natal. Mais até que o verdadeiro homenageado da comemoração. Ele mesmo: o
Sol.
Após esta
tentativa de narrar a história do Natal, tenho a certeza que cada um continuará
a acreditar no seu próprio “Natal”. Façam isso. O mais importante é que o Natal
seja quando um homem quiser, onde se quiser e que traga a todos os povos do
mundo, Paz, prosperidade, Solidariedade, Igualdade e Fraternidade.
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