quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Efeméride de 21 de Agosto de 1415 – Tomada de Ceuta

Ao fim da madrugada de 21 de Agosto de 1415, quando o sol começou a raiar, os habitantes de Ceuta puderam ver na linha do horizonte um cenário tão grandioso como assustador.

À vista, perto de costa, mais de 200 naus[i], fustas[ii] e galés[iii] aprontavam-se para desembarcar os primeiros soldados da expedição de uns 20 mil homens que Dom João I, rei de Portugal, tinha armado para conquistar a cidade.

Sabe-se pela Crónica da Tomada de Ceuta escrita por volta de 1450 por Gomes Eanes de Zurara que Dom João I tinha em mente uma operação militar no exterior das suas fronteiras desde 1409.

 O norte de África era por várias razões o destino mais lógico nas conjecturas do rei que, desde cedo encontrou nos seus filhos mais velhos, Dom Duarte, Dom Henrique e Dom Pedro, um incondicional apoio.

O projecto da conquista de Ceuta ter-lhe-á sido apresentado pelo seu vedor da Fazenda, João Afonso de Alenquer (1395-1433), conhecedor das riquezas da cidade.

O rei começa então a fazer contas. Preocupava-se com os gastos da operação e com a sua viabilidade. Receava a necessidade de criar novos impostos e a reação da arraia-miúda.

Com o apoio dos filhos garantido, o rei procura obter a concordância do Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, que após a batalha de Aljubarrota se tornara figura muito importante no reino, e da sua mulher, a Rainha Filipa de Lancastre. Após obter o seu assentimento, Dom João manda iniciar os preparativos nos primeiros meses de 1414.

 Até ser dado início à expedição faltava ainda mais de um ano e meio e o seu sucesso só se atingiria se permanecessem em total segredo. Em Julho desse ano, porém, os planos reais saem do círculo estrito dos seus colaboradores e tiveram de ser discutidos com o seu Conselho sendo o plano apoiado.

Dá-se então inicio à criação de uma das maiores forças navais jamais constituídas nessa época. Os historiadores falam entre 190 e 270 barcos, que transportariam perto de 20 mil homens.

 Dom João trata de apaziguar Castela, Fernando de Aragão não fica completamente descansado e envia um espião, Ruy Diaz, para tentar perceber o que estava a acontecer. As informações que recebe dão conta de uma enorme mobilização no país, de mais de 100 barcos já reunidos e da espera de muitos mais.

Pouco faltava para a partida, quando um surto de peste dificulta os planos, vitimando a própria rainha Dona Filipa de Lencastre, que morreu a 19 Julho de 1415. Chegando a ser discutida a possibilidade do adiamento da expedição, num conselho régio realizado em Alhos Vedros.

A peste era um mau prenúncio e uma ameaça para as tropas que se concentravam. O condestável quis adiar a partida. O rei, pressionado pelos filhos, desempatou com o seu voto que qualidade. Por essa altura tinha-se já chegado a um ponto de não retorno.

A frota de Dom Henrique sai do Porto, cidade onde nascera, a 13 ou 14 de Julho.

A frota do Porto junta-se à de Lisboa e em 25 de Julho, dia de Santiago, padroeiro da luta contra os mouros, parte para África. O rei comanda as galés, o infante Dom Pedro as naus. Em Lagos faz-se uma missa e Frei João de Xira revela finalmente o destino da expedição.

De Lagos a frota parte para Faro, onde fica até 9 de Agosto à espera de ventos favoráveis.

As galés, as fustas e os barcos mais pequenos chegam a Ceuta a 12, mas aqui surge um primeiro e grave contratempo. O nevoeiro e as fortes correntes arrastam as naus para as costas de Málaga. A armada ficara partida e, pior, o efeito-surpresa tinha-se perdido.

A 19 de Agosto, um pouco a sul de Algeciras, um novo conselho régio é convocado para decidir o que fazer. Os infantes insistem na continuação da expedição. Há quem defenda o regresso a casa.

No dia seguinte, na Ponta do Carneiro, o rei senta o conselho no chão e anuncia a sua decisão: atacar sem demoras. “Amigos, este dia foi sempre por mim muito desejado”, terá dito, de acordo com Zurara.

É assim que, na noite de 20 para 21 de Agosto os habitantes de Ceuta vêm estupefactos a enorme frota reunida.

Os relatos da conquista que nos chegaram dão conta de uma operação fácil, tão fácil que o castelo de Ceuta Caí praticamente sem resistência o que agrada aos cavaleiros da nobreza ansiosos de obter na cidade a tão desejada “honra” e o não menos importante “acrescentamento” de riquezas aos seus pecúlios.  

Poucas horas antes do desembarque, Dom João instruíra os seus comandantes para uma operação com duas cabeças. A força de assalto comandada pelo infante Dom Henrique lançou-se precipitadamente à praia e iniciou o combate antes de Dom João I o ter determinado.

Com resistência reduzida, pelo entardecer os mouros abandonam o castelo e a Medina. Ceuta mudara de mãos.

O saque das casas e comércios, que se iniciara logo às primeiras horas da batalha, generalizou-se.

Às sete e meia da tarde, a batalha tinha acabado e o pavilhão do rei Dom João I flutuava seguro no castelo de Ceuta. Não se conhecem com rigor os custos humanos da conquista.

Quando todo o perímetro da cidade está sob controlo, seguem-se os momentos de celebração e de festa. Frei João de Xira dirige uma missa. Os infantes são armados cavaleiros após terem provado o seu valor no campo de batalha, na melhor tradição da mentalidade da nobreza medieval.

Como em tantas outras vezes, o rei convoca o seu conselho para decidir. Apesar de todas as hesitações, o rei decide ficar.

Tomada a decisão, era a hora de escolher quem ficaria a governar Ceuta e quem seria o responsável pelo seu comando. Seguindo a ordem hierárquica militar e nobiliárquica, Dom João I convida o condestável Nuno Álvares Pereira, que, velho e cansado recusa o convite. Vários outros nobres também o recusam.

É neste impasse que Dom Pedro de Menezes oferece os seus préstimos e fica durante 22 anos.

No reinado de Dom Duarte tenta-se alargar a base de implantação em África com a conquista de Tânger, em 1437, mas uma desastrada operação militar conduzida por Dom Henrique resulta numa grave derrota sublinhada pelo cativeiro do infante Dom Fernando, que morrerá em Fez. No círculo do rei ou nas Cortes nunca se chegou a acordo sobre se a sua libertação valia a entrega de Ceuta, como era exigido pelos muçulmanos. No imaginário da África portuguesa, Dom Fernando será um mártir.  

Depois de 1640, a sorte das possessões portuguesas em África divide-se. Mazagão aceitou permanecer sob a soberania da casa de Bragança, até que é mandada evacuar por Dom José, em 1769. Tânger hesitou mas seguiu o mesmo caminho – em 1661 foi entregue aos ingleses como dote do casamento de Catarina de Bragança com Carlos II. Ceuta fez uma opção diferente. Em Fevereiro de 1641 o governador Dom Francisco de Almeida garante obediência a Filipe IV. Permanecerá espanhola até hoje, embora ainda conserve na sua bandeira as armas portuguesas desse tempo. 



[i] Nau é denominação genérica dada a navios de grande porte com capacidade de 200 pessoas, até o século XV usados em viagens de grande percurso. Em vários documentos históricos a nau surge com a denominação de nave, termo utilizado quase sempre entre 1211 e 1428

[ii] Fusta, navio de remo de médias dimensões, de catorze a dezoito bancos por bordo, normalmente de dois remadores. Aparelhava com um ou dois mastros que podiam ser abatidos e envergar alternadamente pano latino ou redondo. A postiça era comum. Apenas as fustas de maiores dimensões tinham arrombada de artilharia, como as galés e as galeotas. A ordenança era ligeira, usualmente não indo acima de um punhado de falcões e berços, por regra dispostos à vante

[iii] Em geral, galé ou galera - do grego - podem designar qualquer tipo de navio movido a remos. Algumas variações possuem mastros e velas para auxiliar a propulsão; eram navios muito usados no Mediterrâneo

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