Ao fim da madrugada de 21 de
Agosto de 1415, quando o sol começou a raiar, os habitantes de Ceuta puderam
ver na linha do horizonte um cenário tão grandioso como assustador.
À vista, perto de costa, mais de
200 naus[i],
fustas[ii]
e galés[iii]
aprontavam-se para desembarcar os primeiros soldados da expedição de uns 20 mil
homens que Dom João I, rei de Portugal, tinha armado para conquistar a cidade.
Sabe-se pela Crónica da Tomada de
Ceuta escrita por volta de 1450 por Gomes Eanes de Zurara que Dom João I tinha
em mente uma operação militar no exterior das suas fronteiras desde 1409.
O norte de África era por várias razões o
destino mais lógico nas conjecturas do rei que, desde cedo encontrou nos seus
filhos mais velhos, Dom Duarte, Dom Henrique e Dom Pedro, um incondicional
apoio.
O projecto da conquista de Ceuta
ter-lhe-á sido apresentado pelo seu vedor da Fazenda, João Afonso de Alenquer
(1395-1433), conhecedor das riquezas da cidade.
O rei começa então a fazer contas.
Preocupava-se com os gastos da operação e com a sua viabilidade. Receava a
necessidade de criar novos impostos e a reação da arraia-miúda.
Com o apoio dos filhos garantido,
o rei procura obter a concordância do Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, que
após a batalha de Aljubarrota se tornara figura muito importante no reino, e da
sua mulher, a Rainha Filipa de Lancastre. Após obter o seu assentimento, Dom
João manda iniciar os preparativos nos primeiros meses de 1414.
Até ser dado início à expedição faltava ainda mais
de um ano e meio e o seu sucesso só se atingiria se permanecessem em total
segredo. Em Julho desse ano, porém, os planos reais saem do círculo estrito dos
seus colaboradores e tiveram de ser discutidos com o seu Conselho sendo o plano
apoiado.
Dá-se então inicio à criação de
uma das maiores forças navais jamais constituídas nessa época. Os historiadores
falam entre 190 e 270 barcos, que transportariam perto de 20 mil homens.
Dom João trata de apaziguar Castela, Fernando de
Aragão não fica completamente descansado e envia um espião, Ruy Diaz, para
tentar perceber o que estava a acontecer. As informações que recebe dão conta
de uma enorme mobilização no país, de mais de 100 barcos já reunidos e da
espera de muitos mais.
Pouco faltava para a partida, quando
um surto de peste dificulta os planos, vitimando a própria rainha Dona Filipa
de Lencastre, que morreu a 19 Julho de 1415. Chegando a ser discutida a
possibilidade do adiamento da expedição, num conselho régio realizado em Alhos
Vedros.
A peste era um mau prenúncio e
uma ameaça para as tropas que se concentravam. O condestável quis adiar a
partida. O rei, pressionado pelos filhos, desempatou com o seu voto que
qualidade. Por essa altura tinha-se já chegado a um ponto de não retorno.
A frota de Dom Henrique sai do
Porto, cidade onde nascera, a 13 ou 14 de Julho.
A frota do Porto junta-se à de
Lisboa e em 25 de Julho, dia de Santiago, padroeiro da luta contra os mouros,
parte para África. O rei comanda as galés, o infante Dom Pedro as naus. Em
Lagos faz-se uma missa e Frei João de Xira revela finalmente o destino da
expedição.
De Lagos a frota parte para Faro,
onde fica até 9 de Agosto à espera de ventos favoráveis.
As galés, as fustas e os barcos
mais pequenos chegam a Ceuta a 12, mas aqui surge um primeiro e grave
contratempo. O nevoeiro e as fortes correntes arrastam as naus para as costas
de Málaga. A armada ficara partida e, pior, o efeito-surpresa tinha-se perdido.
A 19 de Agosto, um pouco a sul de
Algeciras, um novo conselho régio é convocado para decidir o que fazer. Os
infantes insistem na continuação da expedição. Há quem defenda o regresso a
casa.
No dia seguinte, na Ponta do
Carneiro, o rei senta o conselho no chão e anuncia a sua decisão: atacar sem
demoras. “Amigos, este dia foi sempre por mim muito desejado”, terá dito, de
acordo com Zurara.
É assim que, na noite de 20 para
21 de Agosto os habitantes de Ceuta vêm estupefactos a enorme frota reunida.
Os relatos da conquista que nos
chegaram dão conta de uma operação fácil, tão fácil que o castelo de Ceuta Caí
praticamente sem resistência o que agrada aos cavaleiros da nobreza ansiosos de
obter na cidade a tão desejada “honra” e o não menos importante
“acrescentamento” de riquezas aos seus pecúlios.
Poucas horas antes do
desembarque, Dom João instruíra os seus comandantes para uma operação com duas
cabeças. A força de assalto comandada pelo infante Dom Henrique lançou-se
precipitadamente à praia e iniciou o combate antes de Dom João I o ter
determinado.
Com resistência reduzida, pelo
entardecer os mouros abandonam o castelo e a Medina. Ceuta mudara de mãos.
O saque das casas e comércios,
que se iniciara logo às primeiras horas da batalha, generalizou-se.
Às sete e meia da tarde, a
batalha tinha acabado e o pavilhão do rei Dom João I flutuava seguro no castelo
de Ceuta. Não se conhecem com rigor os custos humanos da conquista.
Quando todo o perímetro da cidade
está sob controlo, seguem-se os momentos de celebração e de festa. Frei João de
Xira dirige uma missa. Os infantes são armados cavaleiros após terem provado o
seu valor no campo de batalha, na melhor tradição da mentalidade da nobreza
medieval.
Como em tantas outras vezes, o
rei convoca o seu conselho para decidir. Apesar de todas as hesitações, o rei decide
ficar.
Tomada a decisão, era a hora de escolher
quem ficaria a governar Ceuta e quem seria o responsável pelo seu comando.
Seguindo a ordem hierárquica militar e nobiliárquica, Dom João I convida o
condestável Nuno Álvares Pereira, que, velho e cansado recusa o convite. Vários
outros nobres também o recusam.
É neste impasse que Dom Pedro de
Menezes oferece os seus préstimos e fica durante 22 anos.
No reinado de Dom Duarte tenta-se
alargar a base de implantação em África com a conquista de Tânger, em 1437, mas
uma desastrada operação militar conduzida por Dom Henrique resulta numa grave
derrota sublinhada pelo cativeiro do infante Dom Fernando, que morrerá em Fez.
No círculo do rei ou nas Cortes nunca se chegou a acordo sobre se a sua
libertação valia a entrega de Ceuta, como era exigido pelos muçulmanos. No imaginário
da África portuguesa, Dom Fernando será um mártir.
Depois de 1640, a sorte das
possessões portuguesas em África divide-se. Mazagão aceitou permanecer sob a
soberania da casa de Bragança, até que é mandada evacuar por Dom José, em 1769.
Tânger hesitou mas seguiu o mesmo caminho – em 1661 foi entregue aos ingleses
como dote do casamento de Catarina de Bragança com Carlos II. Ceuta fez uma
opção diferente. Em Fevereiro de 1641 o governador Dom Francisco de Almeida
garante obediência a Filipe IV. Permanecerá espanhola até hoje, embora ainda
conserve na sua bandeira as armas portuguesas desse tempo.
[i]
Nau é denominação genérica dada a navios de grande
porte com capacidade de 200 pessoas, até o século XV usados em viagens de
grande percurso. Em vários documentos históricos a nau surge com a denominação
de nave, termo utilizado quase sempre entre 1211 e 1428
[ii]
Fusta,
navio de remo de médias dimensões, de catorze a
dezoito bancos por bordo, normalmente de dois remadores. Aparelhava com um ou
dois mastros que podiam ser abatidos e envergar alternadamente pano latino ou
redondo. A postiça era comum. Apenas as fustas de maiores dimensões tinham
arrombada de artilharia, como as galés e as galeotas. A ordenança era ligeira,
usualmente não indo acima de um punhado de falcões e berços, por regra
dispostos à vante
[iii]
Em geral, galé ou galera - do grego - podem designar
qualquer tipo de navio movido a remos. Algumas variações possuem mastros e
velas para auxiliar a propulsão; eram navios muito usados no Mediterrâneo
Sem comentários:
Enviar um comentário